29.6.09

"Quando a Tróia Era do Povo" chega à 4ª Edição.

Imperdoável ainda não ter falado aqui no sítio deste livro assinado por um Colectivo do 9º Ano da Escola Secundária D. João II, de Setúbal!

Um pequeno livro cujo sucesso já "obrigou" os autores, professores e alunos da secundária D. João II, a fazerem quatro edições para dar resposta aos pedidos das livrarias de Setúbal.
O livro custa cinco euros e corresponde a um trabalho baseado em entrevistas feitas pelos alunos a várias gerações de setubalenses. Para ilustrar, um conjunto de fotografias cedidas por particulares e pelo arquivo fotográfico municipal com origem na objectiva de um homem, Américo Ribeiro, a quem Setúbal muito deve devido ao inestimável espólio fotográfico que deixou à cidade.

Qual a razão do sucesso deste pequeno livro? A nostalgia dos verões da meninice passados a brincar na areia fina e nas águas de Tróia? Em parte, já que a memória não pertence a tão poucos assim: "a Tróia" tinha areia que chegasse para as gentes de todas as condições.

Apesar da Soltróia e dos erros urbanísticos aí ocorridos, Tróia tinha produtos para várias carteiras e um parque de campismo, tinha gente de todas as classes. Depois chegou a degradação da parte turística, a construção de condomínios de segunda habitação, os campos de golfe nas zonas dunares, mas também havia um festival de cinema, o Festroia, e muitos turistas, que iam dos nacionais de outras paragens aos operários metalúrgicos da Volvo da Suécia. Os barcos, o ferry-boat e o "convencional", este uma espécie de "cacilheiro", enchiam-se de gente. Havia gente em Tróia.

Além disso, a Praia de Figueirinha e as outras do outro lado do Rio Sado, na Arrábida de águas mais frias, ficavam mais longe num país que ainda não se tinha enfiado dentro dos automóveis. O bilhete de barco para Tróia era mais barato e o transporte mais rápido. Tróia era, conforme diz o título do livro, "a praia do povo".

Foto de Américo Ribeiro, datada de 1957 e integrante do livro.
O cais foi até há pouco tempo o local de desembarque dos veraneantes.
A praia ao lado, a mais popular entre os mais idosos e as crianças,
por causa da "força do ar da costa", foi destruída pela marina
e
por edifícios a poucos metros da linha de água.
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Entretanto, ao mau funcionamento da Soltróia juntou-se o abandono propositado e a degradação dos equipamentos, piscinas, etc. Pelo caminho, o parque de campismo foi fechado devido à "falta de condições".

Depois, a receita do costume: entregar ao desbarato um recurso de todos aos interesses privados sob a promessa da "modernização". Mais um PIN, Projecto de Interesse Nacional.

No caso, Tróia foi servida de bandeja ao paradigma nacional dos negócios de lucro fácil e do capital intensivo, Belmiro de Azevedo. Pelo meio, a perspectiva de um Casino a fazer brilhar de cobiça os olhos do um autarca de Grândola a sonhar com o dinheiro que lhe permitirá acrescentar "obra" àquela que tem deixado implantar nas zonas dunares e agrícolas ao longo da costa alentejana... O facto de Tróia pertencer ao Concelho de Grândola não foi a única justificação para que o "Debate Público" sobre o projecto fosse agendado para Grândola, para bem longe daqueles que historicamente usaram as suas praias.

A campanha de publicidade ao empreendimento começou com anúncios de modernização, promessas de "turismo de qualidade" e muitos postos de trabalho - dez mil, faziam noticiar na imprensa. O facto do projecto turístico não contemplar um parque de campismo moderno era apenas gato escondido com rabo de fora... Não se aceitava que se dissesse que se corria o risco dos setubalenses algum dia ficarem arredados de uma zona que contribuiu para o nascimento da Cidade de Setúbal desde antes dos tempos da romanização.

Perante o fogo de artifício mediático e o silêncio cúmplice dos jornais "de referência" que obedecem à mesma voz do dono das construções, e a falta de espírito crítico de um município setubalense colaborante que só há pouco e com eleições municipais à porta se preocupou com a situação, a cidade ficou na expectativa e até se dividiu perante o empreendimento. Mesmo assim, ainda antes do espectáculo da implosão dos edifícios, já o extraparlamentar PSR fazia chegar aos deputados milhares de assinaturas a contestar a usurpação, no que terá sido, porventura, o abaixo-assinado mais fácil de recolher na história de Setúbal.

A um Estado incompetente em gerir um recurso natural e histórico de valor inestimável, juntou-se a oportunidade do negócio exclusivo. Com a desculpa do turismo, a construção maciça de segunda habitação para rico desfrutar. E o autarca "socialista" de Grândola a sonhar com o dinheiro das licenças de construção e do imposto autárquico...

José Sócrates, também "socialista" rendido aos valores da especulação imobiliária, o mesmo que patrocinou a co-incineração do outro lado do rio no meio das crateras da cimenteira Secil (convenientemente tapada digitalmente nos primeiros vídeos de apresentação do empreendimento), lá foi fingir a ignição da implosão das duas torres que teriam ficado mal construídas desde os tempos da Soltróia.

Vista do Sado a partir do Bairro do Casal das Figueiras

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Hoje, os velhos ferrieboats a preto e branco da Transado, que transportavam pessoas e automóveis para o outro lado do rio, foram substituídos por outros de uma toda modernaça cor verde-alface... de estufa. Não foi só a cor das embarcações que foi alterada, o trajecto também, que passou a ser mais longo e feito para o interior do rio, para um antigo embarcadouro dos fuzileiros e pelo meio da rota de alimentação dos famosos golfinhos de Setúbal - de facto, roazes corvineiros, uma comunidade em declínio acelerado e já considerada em extinção pelos biólogos marítimos.

Para colmatar a distância do cais às praias da costa, a empresa de Belmiro colocou autocarros para levar as pessoas do cais dos ferrieboats para a costa. E fez cair sobre os "clientes" a duplicação do tempo de viagem e sobretudo o preço de acesso às praias. As embarcações que transportavam exclusivamente pessoas estão paradas no estaleiro, anunciaram-se novos hovercraft para os substituir mas estes ainda não apareceram - hovercraft, já os ouve no Rio Sado, mas desapareceram: dentre outras razões, o preço era tão proibitivo que os "convencionais" mantiveram a preferência dos setubalenses.

Quem pretender fazer o caminho a pé ao longo da costa terá à sua frente vedações e seguranças que o demoverão de passar na "propriedade privada". Uma repetição do abusivo impedimento da passagem pelo meio das urbanizações construídas em redor dos antigos caminhos de acesso às praias, iato num país que escreveu na Constituição que a orla marítima é de Direito Público e que não reconhece a existência de praias privadas... A desculpa: “os abusos” de alguns . A velha desculpa dos gestores incapazes de defenderem o Bem Público, e de quem encontra aí o argumento-chave para convencer os idiotas úteis quando é necessário acabar com o que é de Todos e de Todas.

Tróia vista do cima da Arrábida

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Uma volta pelo cimo da Arrábida em dias de calor diz tudo acerca das consequências do que já foi feito: As praias da Arrábida plenas de pessoas e as areias divididas da serra por um cordão anárquico de automóveis. E a Tróia tão perto e tão longe, vazia de gente e cada vez mais cheia de vivendas... O Troia Resort - como não podia deixar de ser, em língua de "camone" -, um enorme embuste.

savesave

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