29.11.11

Algo acerca do ministro Mota "Audi" Soares, o ministro poupadinho, e de uma "Lei das 125" que se transformou num embuste

Eu sei que esta pergunta num país com memória de galinha é arriscada, mas arrisco:
Quem não se lembra de Pedro Mota Soares, ministro da "Solidariedade e Segurança Social", uma das caras do PP na governação, ter-se apresentado montado numa simpática "Vespa" aquando da tomada de posse deste governo?
Então, a atitude motorizada do ministro, contrastante com os carros de gama alta que enxamearam os parques de estacionamento à volta do local da cerimónia, tornou-o alvo da simpatia das objectivas fotográficas. Não houve canal televisivo que não mostrasse o "ecológico" e "poupado" Pedro Mota Soares na sua “lambreta”. "Um sinal da nova governação", diziam embevecidos os propagandistas do costume travestidos de "jornalistas".

Entretanto, numa atitude bem mais despercebida, o governo prepara-se para impor o pagamento do Imposto de Circulação às motas de 125 de cilindrada, num sinal em sentido contrário ao espírito da "Lei das 125" que propôs aos automobilistas deixarem o carro em casa e andarem de moto de baixa cilindrada, "Equidade na distribuição do sacrifícios"? Tretas!

Sabendo-se que só pode conduzir uma "125" quem tem carta de condução de carro, não é exagero considerar-se que quem enfrenta o trânsito com uma mota ou uma "scooter" daquela cilindrada fá-lo em substituição do carro, pelo qual paga "Imposto de Circulação". Assim, o condutor de uma moto ou "scooter" de 125 de cilindrada está a pagar o Imposto de circulação por algo que está estacionado.
Demagogia? Não, se atendermos que a isenção do pagamento de Imposto de Circulação pela utilização daquelas motas de potência limitada é a "benesse" concedida pela não utilização do carro, por não ajudar a entupir mais o trânsito e os estacionamentos citadinos, por poluir muito menos, em resumo, a contrapartida pelo risco de andar em duas rodas desafiando as intempéries, os maus pisos... e os grunhos que pululam pelas rodovias nacionais que acham que têm mais direitos porque têm um veículo maior.
Fazer pagar o Imposto de Circulação às "125", mesmo “pouco” que seja, atira por terra o incentivo que a "Lei das 125" propôs e é uma dupla tributação para quem deixa o carro estacionado e arrisca movimentar-se de mota. Um desincentivo depois do incentivo.

Mas não só. Uma tal de Assunção Cristas, uma ministra de uma carradas de coisas e de nada em particular, também do PP, quer impor portagens em Lisboa. Uma "óptima ideia" depois de encarecerem os transportes colectivos e de permitirem o fim de carreiras.
Em Londres, as motas de baixa cilindrada não pagam a portagem de entrada na cidade. Uma portagem que é o sonho húmido da ministra mas que o município londrino só instituiu porque o neoliberalismo estoirou com uma rede de transportes públicos considerada exemplar. Depois, claro, as pessoas viraram-se cada vez mais para para o transporte particular e entupiram a capital britânica.

Quanto à "Lei 125", dê-se uma vista de olhos pelos fóruns das "125" e a indignação é geral... sentem-se traídos e com razão.
Leio também, sem surpresa confesso, alguns proprietários de motas de alta cilindrada a acharem muito bem… não percebem a diferença entre uma "125" (potência, consumo, etc) e uma "bomba" com cilindrada igual a um carro utilitário - trocariam por uma "125"? Pois, "não dá pica". Podiam propor "juntemo-nos para que os veículos de duas rodas não paguem as mesmas portagens que os automóveis", ou que paguem mais barato. Mas isso é bem mais complicado que ostentar a relação quase-sexual com as máquinas...

Voltemos ao nosso ministro da mota, o Soares:
Não é que o fulano se cansou da “vespa” e agora faz-se deslocar num Audi topo de gama que custou 86 mil euros?

E vivam as "125"! Está percebido ou é preciso fazer um desenho?

14.11.11

De como o verniz democrático estala sempre que os cidadãos usam... a Democracia.

Um texto interessante de Naomi Wolf a propósito da contra-ofensiva policial ao movimento de ocupação nos Estados Unidos, "O Povo Versus a Polícia". Extracto:

[...]
"De repente, a América assemelha-se ao resto do mundo furioso, que protesta e que não é totalmente livre. Na verdade, a maioria dos comentadores ainda não se apercebeu que está a ocorrer uma guerra mundial. Mas não é comparável a nenhuma outra guerra passada na história da humanidade: pela primeira vez, os povos de todo o mundo não se identificam ou organizam por motivos nacionais ou religiosos, mas sim por uma consciência global e pela procura de uma vida pacífica, um futuro sustentável, uma justiça económica, e uma democracia de base. O seu inimigo é uma "corporocracia" global que comprou governos e legislaturas, criou os seus próprios agentes armados, está envolvida numa sistémica fraude económica, e espolia tesouros e ecossistemas."
[...]

Ler o texto completo em http://www.publico.pt/ProjectSyndicate/Naomi%20Wolf/o-povo-versus-a-policia-1519883
(link para o jornal "Público")


Entretanto, hoje, em Portugal, a capa do jornal "i":



"Nunca fizemos greve por termos contrato e direitos. Teremos contrato e direitos se fizermos greve."

A propósito da próxima Greve Geralde dia 24 de Novembro, convocada pelas duas centrais sindicais, CGTP e UGT, reproduz-se aqui um texto de José Soeiro, Sociólogo e ex-deputado do círculo do Porto eleito pela lista do Bloco de Esquerda.

A greve

Aconteceu numa quinta-feira de 1890. Eram cerca de 8 mil operários nas ruas de Lisboa, para defender uma coisa simples: uma jornada máxima de 8 horas de trabalho por dia.
Por José Soeiro

Aconteceu numa quinta-feira de 1890. Eram cerca de 8 mil operários nas ruas de Lisboa. Decidiram rumar ao cemitério dos Prazeres e prestar homenagem a José Fontana, fundador da Fraternidade Operária e um dos primeiros socialistas em Portugal. Ali mesmo, vários tomaram a palavra para defender uma coisa simples: uma jornada máxima de 8 horas de trabalho por dia.
No ano anterior, em Paris, um congresso de trabalhadores reunia-se para apelar a que naquela quinta-feira de 1890 as ruas e praças fossem ocupadas não só em Lisboa mas em todo o mundo para lembrar os mártires de Chicago.
Quatro anos antes, em Chicago, foi em nome dessas mesmas 8 horas que meio milhão de trabalhadores fizeram greve e marcharam pela cidade. A polícia reprimiu a manifestação, matou dezenas de operários e julgou os responsáveis. Georg Engel, Adolf Fischer, Albert Parsons e Auguste Spies foram enforcados. Em cada primeiro de maio, o mundo recorda-os.
Nessa altura, em Portugal como pelo mundo, o contrato de trabalho quase não existia. Nem férias, nem protecção na doença, nem segurança social, nem educação pública. Os trabalhadores começavam a juntar-se em associações de socorros mútuos. Os sindicatos eram coligações operárias ilegais. A greve era proibida.
Mesmo proibidos, os trabalhadores paravam. Havia o medo e a incerteza do resultado. Mas arriscavam. Foi assim em 1842, na Inglaterra e em Gales. Foi assim em Portugal, em 1849. Em Chicago, em 1886. E não mais parou. Foram greves que trouxeram saúde e educação, impostos para os mais ricos e até o sufrágio universal. Os trabalhadores não faziam greve porque tinham contrato e direitos. Tiveram contrato e direitos porque fizeram greve.
Estamos em 2011 e Portugal mudou muito. E esqueceu muito.
Há 900 mil trabalhadores que não têm contrato de trabalho: passam recibos verdes e na lei não se prevê que façam greve. Mais de 600 mil não encontram trabalho. Dois milhões são precários. Muitos, se querem juntar-se, têm de fazê-lo clandestinamente.
Se em 1891 o governo monárquico fixava as 8 horas para alguns sectores, 120 anos depois o governo já decidiu que quer acabar com isso e pretende aumentar meia hora por dia o horário de trabalho. Os patrões agradecem e calculam o lucro que lhes vai dar o dia mensal de trabalho gratuito.
Na Grécia como em Portugal, se hoje o capitalismo tolera o sufrágio, ele dispensa a democracia. Se não propõe a escravatura, exerce-a de novas formas. Se não proíbe a greve, expulsa os trabalhadores do contrato. E a ditadura da dívida dita a impossibilidade das escolhas.
Vai acontecer no dia 24 de Novembro. Há quem diga que não vale a pena, porque se perde o dia de salário ou se arrisca o contrato. Ou porque se não o temos, ela não é para nós. Mas nunca fizemos greve por termos contrato e direitos. Teremos contrato e direitos se fizermos greve.