O mundo parece mais confuso. O que antes nos pintavam a
preto e branco como um confronto entre blocos ideológicos tem agora
novos contornos. Mas a velha ordem das classes sociais não se alterou,
não me refiro àquela da divisão social baseada no acesso ao consumo
(classe alta, classe média, classe média-baixa...) mas a que tem a ver
com o papel que cada indivíduo ocupa na produção. Se ainda há os
proprietários, os donos dos meios de produção, também há toda uma massa
de gente que apenas possui os seus braços e cabeça que põe ao serviço
dos primeiros a troco de salário, executam trabalho, são os
trabalhadores. Então, se há patrões e trabalhadores, há classes sociais.
Muitos
dos sobreviventes da II Guerra Mundial não quiseram voltar às condições
que havia antes da guerra, sabiam que tinham sido estas que haviam
contribuído para o caldo que levou ao conflito. O Estado Social do após a
II Guerra Mundial criou aquilo a que se chama Concertação Social, a
concertação de interesses entre o patrão ("empresário", se quiser) que
quer tirar o máximo de lucro da sua empresa, pagando o mínimo em
salários (lembra-se do que afirmou o homem a quem a PT foi para às mãos,
"Não gosto de pagar salários"?) e quem executa o trabalho. Já ninguém
queria viver apenas para trabalhar para comer e comer para trabalhar.
Morrer sem ajuda médica, ser analfabeto, sem abrigo tornaram-se coisas
com que um europeu civilizado não queria conviver.
Mas para manter
este limiar de Direitos, "Humanos" chamaram-lhes, havia a necessidade de
manter o equilíbrio entre os interesses do Capital e do Trabalho. A
divisão política entre a Esquerda e a Direita baseava-se no prato da
balança onde se devia meter mais peso, no Social ou no Lucro. A
fiscalidade de acordo com os rendimentos era o contrato, o fiel, que
mantinha a coisa a funcionar de forma equilibrada.
Esta "harmonia"
não se deu sem fortes confrontos sociais, greves e confrontação
eleitoral entre os programas políticos dos partidos que tinham mais peso
laboral e os outros da velha ordem capitalista. Pelo meio, crises
energéticas, desemprego e consequente baixa dos salários dos
desempregados. E a necessidade imensa de aplicar o capital em coisas que
gerassem lucro.
A sociedade baseada no lucro só funciona fabricando
mais mais oportunidades de ganhar dinheiro, não é maldade é a sua
natureza. A pequena empresa para sobreviver tem de crescer, competindo
com as outras para ser uma grande empresa, o sonho de todas: a
exclusividade do mercado, o monopólio, e a redução das "ameaças" ao
insignificante. Pelo meio, o capital financeiro, que joga com o destino
das empresas e através destas com a vida das pessoas, empresários e
trabalhadores.
Esta necessidade de rentabilizar com menos riscos
tornou apetitosos "mercados" onde até aí era o Estado que ditava as
regras: a energia de que dependemos tornou-se um alvo prioritário,
desmantelaram-se as empresas públicas, os transportes, e depois os
serviços públicos como a Saúde e a Escola. A divisão entre a Esquerda e a
Direita tornou-se a divisão entre aqueles que acham que devem ser os
governos eleitos a gerirem os bens essenciais e os outros que acham que
devem geridos como os outros produtos de consumo.
No meio de uma das
crises cíclicas de sobreprodução do capitalismo, perante um Estado
incapaz de tomar rédeas à cada vez maior importância do capital
financeiro, o neoliberalismo de Thatcher e de Reagan tornaram-se moda.
Privatizar tudo era a solução para "tornar mais barato", as empresas
públicas foram desmanteladas e vendidas, os seus trabalhadores tornados
precários, a Saúde e a Educação, as Reformas tornaram-se cada vez mais
apetecíveis.
Entretanto, a Leste. dá-se o colapso da União Soviética e
a substituição dos Estados socialistas burocraticamente degenerados
pelo capitalismo mais selvagem e autocrático. O desaparecimento dessa
ameaça que tornava o capitalismo mais "ameno" a Ocidente para não gerar
simpatias dos trabalhadores com as supostas garantias que teriam a
Leste, tornou desnecessário ao capitalismo ocidental a existência do
pacto interclassista a que denominavam Estado Social.
Ao
desequilíbrio entre as classes no Ocidente juntou-se a falta de rival
militar-político à escala internacional. A URSS estoirava numa miríade
de nações, que representavam menos rivalidade para um ocidente rendido
ao capital financeiro.
A necessidade de matérias-primas mais baratas
levou ao confronto militar e à queda dos partidos nacionalistas nos
países produtores de petróleo, e a sua substituição por governos frágeis
minados por interesses económicos que se servem de bandeiras
religiosas. Os bandos terroristas religiosos, como o Estado Islâmico
substituem a autoridade dos Estados desmembrados pelas bombas ocidentais
(Iraque, Líbia, Síria?...)
O triunfo do capitalismo financeiro sobre
o "controlo" dos Estados não acontece por acaso. "Off-shores", viagem
do dinheiro de país para país sem pagar impostos não acontece por acaso,
mas por uma necessidade imensa de acumulação.
É aqui que a
incompetência dos políticos entra em jogo, dirão uns. Não, é aqui que a
sociedade imaginada pela Direita que recusa qualquer tipo de controlo
dos capitais funciona no seu esplendor. O dinheiro não pode ter rédeas,
as pessoas só contam na medida em que podem reproduzir dinheiro. Não
contam para nada, como as miúdas de doze anos que morriam agarradas às
máquinas de tecelagem no início da Revolução Industrial. Aqueles que
procuram que os Estados, em nome dos povos, passem a controlar os
capitais chamam-se de Esquerda na Europa ou Liberais nos EUA.
Não
nos deixemos iludir. O capitalismo já não se faz representar pela figura
do gordo da cartola. O gordo, hoje, é o miúdo do bairro social que só
se alimenta de comidas baratas e manhosas que lhe enchem o sangue de
gordura. A velha burguesia cheia de manias de outrora, alvo de chacota,
são os jovens e desportivos meninos e meninas que trabalham o corpo de
tarde depois de nessa manhã terem, na bolsa, atirado mais uns milhares
para o desemprego.
Aquela miúda de 12 anos do Século XIX vive hoje
nas fábricas da Ásia que fabrica as roupas de marca, ou será mais velha,
na Europa, onde já não morre agarrada à máquina mas tem uma vida que é
curta para além da máquina e do salário que lhe pagam. São os
proletários modernos, os tais que dizem que não existem.
Já vai sendo
tempo de pormos uma coleira no capitalismo antes que na sua voragem
desenfreada nos devore a todos. Europeus, portugueses, alemães,
gregos... digo eu, que sou da Classe Trabalhadora e um gajo de Esquerda.
Respeito!