23.2.11

Um manifesto pode dar uma manifestação

O "manifesto do milhão" é pouco mais do que aquilo que pode ser lido todos os dias nas intervenções mais raivosas das caixas de comentários dos jornais diários, não raras vezes acabando no saudosismo da ordem e de pretensa moral da ditadura Salazarista. Se lermos o documento podemos encontrar de tudo, da exigência da criminalização do enriquecimento ilícito às tiradas vulgares anti-políticos que se podem ouvir  num banco de trás de qualquer táxi.
Em minha opinião, se este "movimento" reflecte o desespero de alguns sectores mais frágeis que estão a ser vítimas do apodrecimento da situação política e económica (reformados, algum funcionalismo, etc), também incluiu o que chamarei uma componente pequeno-burguesa que vive horrorizada a queda vertiginosa na proletarização. Não é nada de novo. O problema é que já vimos na História aonde acabaram muitos protestos populistas e anti-políticos: no discurso racista e xenófobo e, em último grau, servindo de terreno fértil aos fascismos. Por isso, não há que ignorar e deixar esta revolta à mercê de ser apropriada por rapaziada de pendor mais... "nacionalista". Há que estar lá, convidando-os para a manifestação da CGTP: "Tu sozinho não és nada..." Lembram-se?

A "Geração à Rasca" é diferente na sua natureza e propósito. Começa por ser um movimento como muitos que aproveitam o paradigma tecnológico-comunicacional dos nossos tempos: as pessoas mobilizam-se sem pedir autorização aos partidos e aos sindicatos instituídos. Quem reparou no que se passa no mundo nos últimos tempos não ficará admirado com a forma como foi convocado o protesto... O sujeito das preocupações desta tentativa de mobilização é concreto e constitui um desafio à Esquerda que não pode ser ignorado de forma sectária a partir da leitura sobre a pureza ideológica do discurso que lhe serve de ignição. O que é importante, nestes tempos de águas paradas é o movimento. O facto de terem contactado com outros precários já com história de participação nos movimentos dos restantes trabalhadores - lembremos a forma como os "Precários Inflexíveis" pretenderam mobilizar para  a greve Geral - é um factor positivo. Tal como é positivo não se terem pendurado nos argumentos miseráveis de alguma Direita blogueira que afirma que são os pais que retiram os empregos aos filhos.
Repito: a melhor forma de encarar estes movimentos não é através da sobranceria ideológica, é estando com eles e fazendo com eles a experiência da luta, semeando Solidariedade onde germina o salve-se quem puder; muito menos puxando dos galões por uma central sindical (que é a minha também) que viu demasiado tarde o que estava a ocorrer nas empresas desde que os primeiros contratos a prazo foram assinados depois da célebre lei de Mário Soares.

Ainda não se tinha generalizado o precariado, estive cerca de três anos a contratos a prazo de três meses (um "luxo" nos dias de hoje...) numa metalúrgica. Recordo que o meu sindicato só se lembrava da existência dos 300 contratados a prazo, num universo de 900 trabalhadores, quando convocava uma greve  por salários na empresa.
Anos mais tarde, numa reunião sindical com jovens sindicalizados do sector eléctrico, alguns jovens defendem que se devia criar condições para se poder descontar para o sindicato por transferência bancária, sem que o patrão soubesse. Que não, que se devia exigir que o desconto fosse de acordo com a lei, respondiam quase indignados os dirigentes/funcionários da união sindical local - daqueles que há anos que não iam a empresas a não ser aquelas que os deixavam fazer plenários. Uma espécie de imolação sindical de jovens que se aproximaram do sindicato não por opção política mas pelo sentimento básico de que eram alvo de injustiça.
Os erros pagam-se, estamos a pagá-los, mas o pior é não corrigir o raciocínio que nos levou até eles. Convém dizer que hoje a posição inflexível quanto aos descontos foi revista. Temo que mais por causa da debilidade financeira dos sindicatos que pela inteligência de trabalhar de acordo com os níveis de consciência dos trabalhadores.

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