14.2.11

O próximo boletim de voto estará em branco

Desde há semanas - semanas! - que o ambiente político se vem degradando. Para começar, os mercados não perceberam Cavaco e subiram os juros apesar de não ter havido segunda volta.

Ainda as canas dos foguetes da reeleição de Cavaco estavam no ar e já nos "mentideros" do PSD se festejava a queda do governo. Louçã apercebeu-se e falou em "facas", depois foi para junto do seu candidato presidencial, que acabara de ser esfaqueado pelo seu próprio partido.

A ideia incompreendida da direcção do BE até que não era má, não senhora: condicionar Sócrates e juntar os votos da Esquerda contra Cavaco na base de um programa mínimo de promessa de rejeição de leis que contivessem a avalancha próxima de ataque sobre o SNS. Colocaria uma contradição em Belém - no actual estado de coisas, o que a malta precisa é de contradições - mas o PCP não foi na coisa.

O PCP já apoiou Eanes e Soares e outras "frentes populares", mas nesses tempos, que pelos visto a moderna "intransigência revolucionária" já esqueceu, não havia blocos a proporem sapos antes do comité central decidir. Nada feito. Viu nisso, sim, uma oportunidade de encostar o BE ao governo.

Sócrates, pelo contrário, aceitou, viu nisso a forma de dar cabo de Alegre de uma vez por todas e, pelo caminho, do concorrente que mais lhe tem corroído as bases. No fim, quase todos satisfeitos: Sócrates, porque se livrou de Alegre e elegeu o "candidato da estabilidade"; o PCP, porque foi como é costume o "único partido de Esquerda" - além dos "Verdes", claro, e como é costume também; o BE, este terá ficado a contar quantos dos votos brancos e nulos poderiam ter ajudado Cavaco a ficar... mais histérico com os humores dos mercados.

Apanhadas as canas, no PSD relembra-se o sonho de Sá Carneiro, os mais entesados querem avançar com uma moção de censura, Marcelo Rebelo de Sousa entusiasma-se com a possibilidade do PCP votar uma moção apresentada pelo PSD, o Bloco afirma que "não é o dia" e não votará uma moção da Direita, o PCP corrige e vem a terreiro dizer que não é bem assim. À Esquerda continua-se a comparar pilinhas.

Entretanto, uns sindicatos aí pela Europa dizem que o problema é europeu, falam numa Greve Geral Europeia. O PCP e o BE, e demais partidos que com eles compõem o grupo parlamentar europeu, deixam-nos a falar sozinhos. Por cá marcam-se mais umas formas de luta e sectores isolados enfrentam o roubo dos salários. Tudo calmo, os do sector privado ainda não viram aumentado o seu IRS.

No PSD recua-se, triunfam as vozes da "razão". Que o governo governe, que o ataque à legislação do trabalho continue, que aumente ainda mais a idade de reforma, que se precarize ainda mais o país. Quanto pior, melhor. Quando chegar a altura, lá pelo orçamento, todos votarão contra na Assembleia, o governo não terá condições para governar e Sócrates sairá pela porta pequena. O país afundou-se mais mas o PSD triunfará, não será o culpado da crise.

Até lá, o vitimado Sócrates será reeleito no seu partido devido à inexistência de uma ala Esquerda que só o Daniel Oliveira descortina. O PS irá para eleições com o mesmo timoneiro, fazendo à mesma o mesmo papel de vítima, mas desta feita (explicar-me-ão a vantagem) após ter sido demitido de acordo com o calendário do PSD.

Calendarizada contra o calendário da Direita, descobre-se que a Moção de Censura da iniciativa do Bloco de Esquerda "favorece a Direita"... Esqueceram que há bem pouco tempo indicaram o apoio a Alegre contra Cavaco como uma cedência ao governo de Direita, e que exultaram - há bem menos tempo - com a perspectiva de uma moção de censura.

Já não interessa que este governo seja objectivamente um governo de Direita e que as medidas que anunciou para breve irão agravar ainda mais a crise social e a precariedade? Que a continuidade deste governo acirra ainda mais o descontentamento do povo em relação àquilo que lhes vendem ser uma política "de Esquerda"? Que cada minuto que passa Passos Coelho e Cavaco estão mais próximo do seu objectivo declarado ou dissimulado?

Não perceberam, mas Marcelo Rebelo de Sousa já percebeu: nada de votar a moção do Bloco de Esquerda! Ele percebeu e mudou de opinião quanto a moções de censura... ora digam lá se o tipo não percebe da poda?

Não acredito como alguns que se a moção de censura deitasse abaixo o governo isso provocasse qualquer tipo de debate no PS no sentido de emendar a mão com que faz política. "Aquilo" é irreformável.

O que acredito, cinicamente é verdade, é que as lutas que os trabalhadores travarem no futuro para comprometer a continuidade desta política por Passos Coelho terão mais um aliado: a até agora titubeante UGT. O estatuto de oposição opera milagres lá pelas bandas do Largo do Rato.

Acredito também que as leis que saem da Assembleia da República representam a correlação de forças que lá for colocada... e que o próximo boletim de voto estará em branco.

Além do exposto, poderia falar do Egipto e da Tunísia, do seu 25 de Abril, de povos fartos de "abanarem tristemente as suas grilhetas", mas da forma como anda o debate político isso era capaz de ser um despropósito.

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