5.2.11

Como dar a volta a isto? Algumas dúvidas e outras tantas constatações.

Comentário inserido no blogue "Cinco Dias" a propósito da tese de votar favoravelmente uma moção de censura apresentada pela Direita contra o governo de Sócrates:


Posso estar enganado, mas o estado actual da mobilização dos trabalhadores não se reflectirá automaticamente num voto que dê fôlego à resistência anti-liberal no parlamento – o sítio onde, quer queiramos quer não, as coisas por agora se decidem. Isto é uma dúvida e não um programa político parlamentarista.

Na minha opinião, a enorme abstenção verificada nas últimas eleições presidenciais não representou a recusa da “mediocridade dos candidatos”, o voto contra a falta de unidade da Esquerda e muito menos o protesto libertário contra o sistema, mas sobretudo e tragicamente o estado de espírito que fez com que este país aguentasse 48 anos de Salazarismo. A puta da mansidão. Se não, como justificar o valor demasiado baixo da votação na candidatura “Patriótica e de Esquerda” (sem ironia) do candidato do PCP que nem galvanizou o eleitorado de esquerda desiludido com a “traição” do BE em apoiar Alegre?
O amorfismo reinante é um dado importante a ter em conta, como dar a volta a isso é o debate que me interessa. Resumindo: como fazer política socialista num quadro social semelhante aos alvores do sindicalismo, sem os alvores e com um sindicalismo funcionalizado quase todo virado para os que ainda têm contrato efectivo e descontam as quotas democraticamente na folha de salário, num quadro em que a dominação ideológica da burguesia sobre o proletariado é bem mais decisivo e poderoso que as invectivas dos púlpitos sobre os comunistas? Como organizar o proletariado precário? Como reedificar a noção de solidariedade de classe? Como vencer o medo que está a vencer?

Por outro lado. Sobre táctica. Quer dizer, apoiar um candidato social-democrata contraditório para defender o que sobra das garantias que a Revolução impôs na “lei fundamental”, como fez o BE ao tentar espetar uma fractura no partido do poder, é uma “traição miserável”, e nada tem a ver com uma opção táctica mesmo que discutível. Mas votar uma moção de censura com os pressupostos da Direita (sublinho: com os pressupostos da Direita), essa sim, será a opção táctica que trará as contradições que trarão folga ao campo dos trabalhadores. Será a táctica revolucionária onde a outra foi “traição”. Simples.
Este é, a meu ver, a fuga para a frente, o sentido lógico de quem confirma o erro de entender que a eleição do Cavaco significou o mesmo que significaria a eleição de Alegre. Continua-se a não perceber as contradições, é tudo Direita e “prontos”. Não foi só Cavaco e Passos Coelho que ganharam, Sócrates também ganhou na noite em que Alegre foi derrotado, há ainda quem não tenha percebido isto?

Confesso que tive dúvidas se a opção táctica do BE foi a mais correcta – e ainda as mantenho. Debati-as com companheiros do BE numa reunião para a qual fui convidado, e verifiquei com satisfação que estas não eram da minha exclusividade. Óptimo, ainda há quem tenha dúvidas. E a lembrar a forma como a coisa foi discutida nalguns fóruns e estados de alma, reitero: falou-se de táctica, não de ajuste de contas.
Táctica, sim. Já não suporto essas merdas pequeno-burguesas de a propósito de debates sobre táctica tirarem-se conclusões precipitadas sobre estratégia. Tenho idade suficiente para ver no rasto desse suposto purismo ideológico o cemitério de organizações “verdadeiramente revolucionárias” e projectos liliputinos de fazer política à imagem das certezas conjunturais inabaláveis do PCP mas com uma fraseologia mais guerreira, o capital revolucionário desperdiçado em cisões de merda, e o punhado de revoluções perdidas por falta de inteligência… táctica.

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