7.10.15

"Já não há Classes Sociais nem Esquerda nem Direita"

O mundo parece mais confuso. O que antes nos pintavam a preto e branco como um confronto entre blocos ideológicos tem agora novos contornos. Mas a velha ordem das classes sociais não se alterou, não me refiro àquela da divisão social baseada no acesso ao consumo (classe alta, classe média, classe média-baixa...) mas a que tem a ver com o papel que cada indivíduo ocupa na produção. Se ainda há os proprietários, os donos dos meios de produção, também há toda uma massa de gente que apenas possui os seus braços e cabeça que põe ao serviço dos primeiros a troco de salário, executam trabalho, são os trabalhadores. Então, se há patrões e trabalhadores, há classes sociais.

Muitos dos sobreviventes da II Guerra Mundial não quiseram voltar às condições que havia antes da guerra, sabiam que tinham sido estas que haviam contribuído para o caldo que levou ao conflito. O Estado Social do após a II Guerra Mundial criou aquilo a que se chama Concertação Social, a concertação de interesses entre o patrão ("empresário", se quiser) que quer tirar o máximo de lucro da sua empresa, pagando o mínimo em salários (lembra-se do que afirmou o homem a quem a PT foi para às mãos, "Não gosto de pagar salários"?) e quem executa o trabalho. Já ninguém queria viver apenas para trabalhar para comer e comer para trabalhar. Morrer sem ajuda médica, ser analfabeto, sem abrigo tornaram-se coisas com que um europeu civilizado não queria conviver.

Mas para manter este limiar de Direitos, "Humanos" chamaram-lhes, havia a necessidade de manter o equilíbrio entre os interesses do Capital e do Trabalho. A divisão política entre a Esquerda e a Direita baseava-se no prato da balança onde se devia meter mais peso, no Social ou no Lucro. A fiscalidade de acordo com os rendimentos era o contrato, o fiel, que mantinha a coisa a funcionar de forma equilibrada.
Esta "harmonia" não se deu sem fortes confrontos sociais, greves e confrontação eleitoral entre os programas políticos dos partidos que tinham mais peso laboral e os outros da velha ordem capitalista. Pelo meio, crises energéticas, desemprego e consequente baixa dos salários dos desempregados. E a necessidade imensa de aplicar o capital em coisas que gerassem lucro.

A sociedade baseada no lucro só funciona fabricando mais mais oportunidades de ganhar dinheiro, não é maldade é a sua natureza. A pequena empresa para sobreviver tem de crescer, competindo com as outras para ser uma grande empresa, o sonho de todas: a exclusividade do mercado, o monopólio, e a redução das "ameaças" ao insignificante. Pelo meio, o capital financeiro, que joga com o destino das empresas e através destas com a vida das pessoas, empresários e trabalhadores.

Esta necessidade de rentabilizar com menos riscos tornou apetitosos "mercados" onde até aí era o Estado que ditava as regras: a energia de que dependemos tornou-se um alvo prioritário, desmantelaram-se as empresas públicas, os transportes, e depois os serviços públicos como a Saúde e a Escola. A divisão entre a Esquerda e a Direita tornou-se a divisão entre aqueles que acham que devem ser os governos eleitos a gerirem os bens essenciais e os outros que acham que devem geridos como os outros produtos de consumo.

No meio de uma das crises cíclicas de sobreprodução do capitalismo, perante um Estado incapaz de tomar rédeas à cada vez maior importância do capital financeiro, o neoliberalismo de Thatcher e de Reagan tornaram-se moda. Privatizar tudo era a solução para "tornar mais barato", as empresas públicas foram desmanteladas e vendidas, os seus trabalhadores tornados precários, a Saúde e a Educação, as Reformas tornaram-se cada vez mais apetecíveis.

Entretanto, a Leste. dá-se o colapso da União Soviética e a substituição dos Estados socialistas burocraticamente degenerados pelo capitalismo mais selvagem e autocrático. O desaparecimento dessa ameaça que tornava o capitalismo mais "ameno" a Ocidente para não gerar simpatias dos trabalhadores com as supostas garantias que teriam a Leste, tornou desnecessário ao capitalismo ocidental a existência do pacto interclassista a que denominavam Estado Social.

Ao desequilíbrio entre as classes no Ocidente juntou-se a falta de rival militar-político à escala internacional. A URSS estoirava numa miríade de nações, que representavam menos rivalidade para um ocidente rendido ao capital financeiro.
A necessidade de matérias-primas mais baratas levou ao confronto militar e à queda dos partidos nacionalistas nos países produtores de petróleo, e a sua substituição por governos frágeis minados por interesses económicos que se servem de bandeiras religiosas. Os bandos terroristas religiosos, como o Estado Islâmico substituem a autoridade dos Estados desmembrados pelas bombas ocidentais (Iraque, Líbia, Síria?...)

O triunfo do capitalismo financeiro sobre o "controlo" dos Estados não acontece por acaso. "Off-shores", viagem do dinheiro de país para país sem pagar impostos não acontece por acaso, mas por uma necessidade imensa de acumulação.
É aqui que a incompetência dos políticos entra em jogo, dirão uns. Não, é aqui que a sociedade imaginada pela Direita que recusa qualquer tipo de controlo dos capitais funciona no seu esplendor. O dinheiro não pode ter rédeas, as pessoas só contam na medida em que podem reproduzir dinheiro. Não contam para nada, como as miúdas de doze anos que morriam agarradas às máquinas de tecelagem no início da Revolução Industrial. Aqueles que procuram que os Estados, em nome dos povos, passem a controlar os capitais chamam-se de Esquerda na Europa ou Liberais nos EUA.

Não nos deixemos iludir. O capitalismo já não se faz representar pela figura do gordo da cartola. O gordo, hoje, é o miúdo do bairro social que só se alimenta de comidas baratas e manhosas que lhe enchem o sangue de gordura. A velha burguesia cheia de manias de outrora, alvo de chacota, são os jovens e desportivos meninos e meninas que trabalham o corpo de tarde depois de nessa manhã terem, na bolsa, atirado mais uns milhares para o desemprego.

Aquela miúda de 12 anos do Século XIX vive hoje nas fábricas da Ásia que fabrica as roupas de marca, ou será mais velha, na Europa, onde já não morre agarrada à máquina mas tem uma vida que é curta para além da máquina e do salário que lhe pagam. São os proletários modernos, os tais que dizem que não existem.
Já vai sendo tempo de pormos uma coleira no capitalismo antes que na sua voragem desenfreada nos devore a todos. Europeus, portugueses, alemães, gregos... digo eu, que sou da Classe Trabalhadora e um gajo de Esquerda.
Respeito!

Sem comentários: