9.9.06

Quanto mais Zorros menos Revolução

Este texto, escrito ao sabor do teclado, era para ser inserido como resposta a um post de Daniel Oliveira no seu "Arrastão", “Porque nunca deve a esquerda pôr-se nas mãos de salvadores da Pátria”. Como ficou extenso, e não quis abusar da hospitalidade, decidi deixá-lo aqui por "casa".

Contextualizando, Daniel Oliveira refere-se a uma nota do “Público” sobre a suposta pretensão do presidente venezuelano, Hugo Chávez, em fazer uma alteração legislativa que permita a um presidente ser eleito sucessivamente sem limitação do número de mandatos.
“Suposta” porque a origem identificada é o “Público”. Reserva mental? Desculpem lá, mas depois das últimas Guerras não considero o “Público” de confiança.

Todavia, como vivi uma Revolução e vi os atalhos em que certas Esquerdas se costumam enfiar, também não me admira a ideia. É partindo deste pressuposto que se me afigura o restante.

Não me incomoda a ver Hugo Chávez solidário com a Revolução Cubana, mas ao ver a forma como este pretende copiar a relação de Fidel Castro com o povo cubano temo que este confunda as conquistas da Revolução Cubana com as suas taras.

Que o presidente venezuelano procure introduzir no seu país algumas medidas que redistribuam a riqueza, que até agora só tem sido pertença de uma oligarquia intermediária dos interesses ianques na Venezuela, é algo com que simpatizo. Mesmo que o estilo não me agrade.

Não duvido, porém, que na Venezuela, entre aqueles que nunca tiveram nada, o “estilo” não será a principal preocupação. Não foi a pensar nisso que disseram “presente” quando foi necessário defender o “seu” presidente eleito do golpe militar dos “democráticos” terra-tenientes e media-tenientes.

“Deus escreve por linhas tortas”, dizem os crentes. Perante as derrotas sucessivas do movimento dos trabalhadores a nível mundial, começa a difundir-se entre alguma Esquerda a ideia de que a Revolução se pode fazer por linhas tortas. Errado. Uma Revolução nascida torta tarde ou nunca se endireita, isto quer dizer que a principal preocupação dos revolucionários deverá ser a de evitar que a torçam. A ideia de um homem providencial é torcer a Revolução.

A História demonstra que as revoluções que têm homens providencias acabam por morrer com o tutor. Ou sobrevivem, apesar do e contra o empecilho do tutor.

Com Cuba no horizonte.
As conquistas sociais que transformaram uma imensa casa de putas num dos países com maior nível de escolaridade e de saúde no mundo não podem ser desprezadas, mesmo tendo em conta a forma como o regime cubano se defende mal da ameaça imperialista.

Esconjurar a crítica política é dos aspectos em que o regime cubano desperdiça nos pés as balas que diz atirar ao inimigo. E a identificação da vida de uma Revolução com os poucos anos que um líder possa caminhar sobre a terra é outro.

Na figura débil do Fidel Castro acamado pressente-se a própria Revolução Cubana a definhar. Tragicamente não são só os "Scarfaces" de Miami que o vêem.

Perante isto, que dizer da cegueira de certa Esquerda que teima em confundir as conquistas revolucionárias com a tirania de um partido - apesar de haver exemplos suficientes que mostram o bêco aonde isso conduz? Por outro lado, que comentário à miopia dos outros que só descortinam na ilha cubana a presença tutelar de Fidel e esquecem o resto: que a muitos deserdados desta “democracia” em que vivemos basta ir para a bicha do sistema nacional de saúde para que sintamos inveja daquela “ditadura”? Uns e outros, cada um a seu modo, já deixaram de acreditar em revoluções sociais.

Voltando a Hugo Chávez.
O que pode tornar o fait-diver do “Público” no drama da Revolução Venezuelana (ainda há por aí alguém que se diga de Esquerda que ainda não se tenha apercebido de que há uma Revolução em curso na Venezuela?!) é a tentação do presidente em se sobrepor à mobilização dos explorados em cujo nome fala, que o espelho do palácio presidencial não reflicta apenas a imitação do amado Simón Bolívar, mas a da lenda do “Zorro” - aquele que se substituía aos humilhados na luta pela dignidade social, quando lhe dava na gana.

As revoluções só avançam com a Mobilização consciente do Povo - o tal que continua em Terceiro Estado - com a Democracia, que entrega ao Povo a decisão sobre os ritmos e os avanços revolucionários, com uma outra Legalidade que consagre o interesse público contra os privilégios de Classe.
E com a Liberdade, aquela que permite que seja a agressão à nova legalidade e não a opinião que se tem sobre ela que faça quem quer que seja ir para a prisão.

Parafraseando a frase conhecida, a Revolução é um assunto demasiado sério para que se deixe ao cuidado de um líder, de um grupo de comissários ou de um comité central. Já agora, de um grupo parlamentar - é também nas mãos de uma política virada sobretudo para o crescimento deste que a Esquerda não se deve colocar.

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