Segundo post sobre a convenção do meu partido. Uma reflexão sobre a necessidade da existência de uma tendência sindicalista democrática e de combate:
Reafirmar o Compromisso do Socialismo com a Classe Trabalhadora.
I – Dois passos atrás, um passo à frente.
O BE não surgiu a partir de uma das ideologias “padronizadas” pelo século XX. No entanto, a maioria dos seus aderentes proveio de correntes políticas diferentes que fizeram percursos diversos e que concorreram entre si no movimento operário e popular.
A derrota da Revolução Portuguesa e o definhamento burocrático e autoritário de muitas revoluções que nos entusiasmaram a vida, e também as novas relações políticas e económicas internacionais, impuseram balanços e criaram a necessidade de se perspectivarem novas formas de encarar a velha luta por um Mundo Novo.
Ao contrário dos que se deixaram dissolver na normalização e dos que encontraram enfim o seu lugar no Poder e vivem assombrados pelos “desmandos” da sua juventude, nós tivemos o entendimento de que era necessário “Começar de Novo”. Esta decisão marcou a diferença: ao continuar o combate assumindo os novos contornos da realidade, recusámos o percurso da cristalização das divergências até ao definhamento final. Porque os Socialistas do Século XXI não pretendem vingar o passado, querem vingar-se do presente!
II - “Começar de Novo” não significa partir do zero. Aprender com os erros.
“Vimos de longe”. Passados mais de 150 anos do manifesto fundador, cabe às gerações socialistas reunidas no Bloco de Esquerda reafirmar o Compromisso do Socialismo com a Emancipação da Classe Trabalhadora. No caminho “para aqui chegarmos” aprendemos do passado que não há socialismo sem democracia e que a revolução se faz contra todas as discriminações e em todas as causas contra a humilhação e pela sobrevivência da Humanidade.
Estamos de acordo que o mecanicismo ideológico, o sectarismo, a rotina intelectual descambam normalmente no tom autoproclamatório e messiânico, na teorização do isolamento e na incapacidade, devido à estreiteza de vistas, de uma organização se aperceber do tamanho do mundo.
Mas o seu contrário, a relativização total dos princípios fundamentais ao ponto de os tornar matéria negociável, a impaciência com o trabalho de base e a tendência para se opor à mobilização social as boas-graças do Poder também não obtiveram resultados decisivos para a emancipação dos trabalhadores. Convém lembrar a este propósito que por detrás de um político com “sensibilidade social” esteve sempre uma mobilização popular para o obrigar a assinar…
É verdade é que o socialismo nem sempre fez jus ao seu carácter científico. Ao menosprezar outros processos de emancipação de desigualdades que o capitalismo consolidou (alguns deles mais antigos que a máquina a vapor), isto é, ao isolar os trabalhadores de assuntos “que não lhes dizem respeito” e ao não integrar as “novas” lutas (ecologia, igualdade de géneros, minorias sexuais, convivência inter-étnica) no programa socialista, o socialismo contradisse um dos seus princípios fundadores: a Classe Trabalhadora como vanguarda revolucionária da Humanidade.
Pior ainda, em nome do “amanhã” relativizou a necessidade da democracia e o direito à livre expressão de ideias hipotecando a ideia do socialismo como um regime mais livre que a mais livre das democracias burguesas. Ao fazê-lo impediu a sua própria capacidade de regeneração e castrou o pensamento e a acção revolucionárias de gerações inteiras. A consequência: o pesadelo burocrático-repressivo.
Noutra matriz, o socialismo confundiu liberdade com a livre-iniciativa económica burguesa, sujeitou a luta pela igualdade que estava na sua génese à redistribuição desigual de rendimentos e fez do movimento dos trabalhadores uma tropa de choque eleitoral ao serviço de interesses corporativos e de burocracias sindicais profissionalizadas há muito desligadas da produção. Além disto, a “justiça social” propalada por este “socialismo europeu” nunca conseguiu produzir menos devastação social e económica que o capitalismo mais feroz nos países que forneceram a matéria-prima para o progresso.
Não só. O movimento dos trabalhadores já fez a prova até à exaustão de partidos que vivem apenas de conjunturas eleitorais e de campanhas ocasionais, que não estabelecem raízes, solidariedades e responsabilidades duradouras na Classe Trabalhadora e que se socorrem de atalhos políticos que variam do populismo ao aventureirismo. As fundações ideologicamente fragilizadas destas organizações tornaram-nas presas fáceis do oportunismo e do carreirismo. Atrás de si ficaram mais desalento e desmobilização.
Não há remédios milagrosos para construir uma organização democrática e de combate de trabalhadores. O funcionamento democrático, o Direito de Tendência que permite às minorias corrigir os erros das maiorias, a responsabilização dos eleitos pelo programa político que os tornou mais responsáveis que os demais, e ainda o debate político resultante do tempero das ideias pela prática são anti-infecciosos indispensáveis. Sem esquecer as vitaminas: a necessidade que pretendemos genética de ir actualizando o nosso programa político e de ter os olhos abertos aos resultados do “génio humano”. Para cumprirmos melhor o nosso Compromisso.
III - O Compromisso do Socialismo deve manter-se.
Trata-se aqui de lembrar o compromisso clássico do Socialismo com os Produtores.
Os socialistas demarcam-se dos demais porque têm uma perspectiva diferente da história. Mesmo aqueles que dentre nós não acreditam que “o motor da história é a Luta de Classes” não conseguirão retorquir à ideia de que tem sido a luta contra as opressões Económica, de Género, Ambiental, Sexual e Étnica que nos trouxe a um patamar mínimo de direitos. E que a Classe Trabalhadora, mesmo que parte dela estivesse arreigada de preconceitos religiosos e culturais, teve sempre um papel determinante nestes avanços civilizacionais. Definitivamente, não foi qualquer ”mão invisível” nem a filantropia dos poderosos que nos trouxe até aqui.
Todas as concessões sociais de que usufruímos foram arrancadas a ferros, foram “concessões” impostas aos poderosos por conjunturas políticas e revolucionárias favoráveis aos trabalhadores. A perda generalizada das conquistas sociais revela que elas nunca se tornaram patrimónios civilizacionais no quadro do capitalismo. O quotidiano da nossa “refundação” faz-se numa época em que “eles” se vingam, em que já não precisam do escudo “social” europeu para fazerem frente à “ameaça vermelha”.
Vivemos tempos duros, o capitalismo tornado sistema global está em permanente ofensiva contra todos e quaisquer direitos. Não o faz por maldade mas pela necessidade imensa de acumular, porque é a acumulação que lhe garante a sobrevivência.
A Classe Trabalhadora está a sofrer por todo o mundo ocidental um retrocesso nas suas conquistas: milhões de operários e trabalhadores são empurrados para o desemprego, a nova geração não conhece mais que a insegurança da precariedade, há cada vez mais relações de trabalho que conviveriam bem com os “contratos de trabalho” do início da industrialização.
Os socialistas têm a obrigação de dizer a verdade aos trabalhadores:
A desregulamentação completa das relações de trabalho em vigor não se faz apenas por razões económicas, faz-se sobretudo por razões políticas!
- Não é no “exército de reserva de desempregados” que pensam os capitalistas quando fabricam leis que semeiam o terror nas empresas, fazem-no com o intuito declarado de quebrar a importância política dos trabalhadores e das suas organizações de classe na sociedade!
IV - A responsabilidade do Bloco de Esquerda perante os trabalhadores.
É correcto que perante a nova realidade o Bloco de Esquerda dê particular atenção à luta pela vida dos trabalhadores precários, contratados, eventuais, emigrantes e desempregados – todos estamos de acordo com este princípio.
Estaremos quase todos de acordo também que os aderentes do Bloco devem exigir nos sindicatos onde intervém uma política para toda a classe e não apenas para os que ainda são efectivos.
O mesmo não se poderá dizer de que, para fazer vingar estas ideias no movimento sindical (não só na CGTP - mas também na UGT e nos independentes!), os activistas do Bloco de Esquerda devem coordenar-se, discutir e estabelecer princípios conjuntos de intervenção.
A esta atitude, caros camaradas, chama-se operar como Tendência Organizada. A isto chama-se também assumir a responsabilidade de defender o programa que perspectivamos perante os trabalhadores!
V- O Bloco de Esquerda, uma trincheira dos trabalhadores.
É por isso necessário uma acção estruturada no movimento sindical que não deixe dissolver os activistas do bloco nas burocracias sindicais de diversos matizes. O debate sobre como o fazer é importante para a definição futura do bloco como organização enraizada no seio da Classe Trabalhadora.
Para os socialistas não há maus burocratas (os da CGTP, da UGT ou de sindicatos independentes) e os bons burocratas, os que alinham com o Bloco.
Esta tendência não deve ser uma “tendência de partido”, o gueto laboral do Bloco:
deve ser um grupo solidário de trabalhadores que por empresa e ramo de actividade debatem com e pretendem organizar de forma democrática mais trabalhadores que aqueles que o Bloco representa; que organiza listas para Comissões de Trabalhadores reclamando o seu funcionamento democrático e combativo; que está ligado em rede e informado sobre as lutas que se travam difundindo-as e fazendo de cada uma delas uma nova oportunidade de aprendizagem; que, desafiando localmente o poder dos media globais, pretende renovar na classe a solidariedade com as lutas e com todas as causas mesmo as “estranhas” ao movimento sindical.
É através desta atitude que renovamos o compromisso socialista do passado, que demonstramos à Classe Trabalhadora que o Bloco se fez para ser um instrumento útil para a organização combativa dos trabalhadores.
E demarcamo-nos em relação aos demais: O partido é o instrumento, não a Classe!
Afinal de contas, são os “meios” que falam pelos “fins”.
José Tavares da Silva/Setúbal
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