Alguma semanas depois de Manuel Alegre ter apresentado a sua mais que provável candidatura presidencial, e depois da direcção do Bloco de Esquerda se ter apresentado na bilheteira antes sequer do filme estar em cartaz, ao que consta para desagrado de grande parte do seu "agregado familiar", eis que aparece uma nova candidatura à presidência, desta feita a de Fernando Nobre, o muito mediático fundador da AMI.
Para os que não lêem o "casting" que acompanha os programas eleitorais, Fernando Nobre foi mandatário nacional da vitoriosa campanha europeia do Bloco de Esquerda, o que à partida gerará simpatias em relação à sua candidatura entre o eleitorado "bloquista" e, por via disso, constituirá uma dor de cabeça para a direcção do bloco, ameaçada de ver o seu quinhão eleitoral dividido entre a "união das esquerdas" de Alegre e a mensagem de "Cidadania" do médico.
O pior de tudo isto é que nenhum dos dois candidatos de esquerda que se apresentam a concurso tem um mote que tenha algo a ver com o programa clássico da esquerda que deu origem ao bloco. Isto é, na fase actual de derrotas continuadas do campo dos trabalhadores, nenhuma das candidaturas representa esperança mais duradoura que os poucos segundos que se demora a colocar o voto na urna. A Esquerda da resistência social estará órfã quando abrir a caça ao voto.
Fernando Nobre não tem, suponho, curriculum partidário. Uma vantagem, a do "apartidarismo", tendo em conta que o povo está cansado da barafunda mediática e do tráfico político-económico, e não enxerga alternativas porque a agenda da comunicação social alimenta a confusão e só lhes dá o "prato da casa".
Fernando Nobre estará em estado e graça, pelo menos até os cavaquistas pressentirem alguma ameaça e servirem-se dos seus órgãos de informação para dizerem que o médico não tem "preparação técnica" nem "estofo" para a coisa. Um veneno que a candidatura "bloquista" de Alegre já provou. Esperemos até Balsemão carregar no botão e veremos os comentários dos cobridores de eleições da SIC. Acreditem, é gente capaz de ilusionismo puro, conseguem fazer desaparecer uns e aparecer outros como por artes mágicas. Lembremo-nos, da última vez cumpriram a profecia de Rangel: elegeram um presidente da república.
Continuando, o médico da AMI colherá em vários eleitorados e, cereja em cima do bolo, vai partir o eleitorado do Bloco de Esquerda, pelo menos o que se mudou do Largo do Rato para a Rua da Palma... numa consequência vice-versa agradável ao PS.
"Vice-versa" é exactamente aquilo que a direcção do Bloco de Esquerda tentou impedir ao apoiar apressadamente a candidatura de Manuel Alegre, atalho vitorioso de uma das suas tendências mais virada para a "alta política" e a mediatização do que para os campos tradicionais de labuta onde a esquerda colhe vitórias e apanha desilusões.
Com Alegre, o Bloco conseguiu "entalar" o PS durante uma semana. Depois, a máquina de propaganda socratista reagiu, para sossego das suas hostes mais inveteradas e para gáudio da comunicação social que gosta de lugares-comuns, e sentenciou: "O Alegre é o candidato do Bloco."
Alegre não gostou do "handicap" e tem passado os últimos tempos a procurar convencer a comunicação social do contrário do lugar-comum. Não é o candidato do Bloco de Esquerda e, para o provar, retoma um discurso que repugnaria àqueles que votaram em Francisco Louçã nas últimas presidenciais. Neste particular, o Bloco de Esquerda faz lembrar aquele texugo dos desenhos animados, o "Pierre Le Pew", um pinga-amor que está apaixonado por uma gata a quem o seu cheiro repugna. O cheiro do "radicalismo", uma coisa de que o Bloco de Esquerda tem a fama mas de que, por decisão própria, não tem o proveito.
E o chantilli em cima da cereja em cima do bolo: ao que consta, à candidatura anunciada de Fernando Nobre não é estranha a entrada em cena da influência de personagens ligadas à "ala soarista" do PS, agastadas pela "trapada" que o seu partido tem vindo a levar e pela incapacidade dos socratistas fazerem algo de jeito na questão senão produzirem "sound bites" - versão inglesa de "bocas para a comunicação social preguiçosa reproduzir de forma acéfala".
Isto é, responderam ao apoio do Bloco a Alegre numa moeda parecida, a modos de que "foice em seara alheia se paga". "Quem se mete com o PS, leva", dizia o outro da empresa oficial das obras nacionais. Não foi à toa.
No meio do diz que diz e faz o contrário do que se diz à Esquerda, o PCP mantém-se calado, preparando o seu candidato para "marcar posição". Ninguém o pode criticar, já que ninguém o terá convidado para estes jogos florais. Além disso, é sabido que não é seu hábito participar em festas que não sejam organizadas por si. E, ainda por cima, a dieta de sapos pressupõe uma preparação antecipada do estômago. Tem uma vantagem esta sua atitude que passa por cautelosa, permite-lhe espaço de manobra e não se expõe a ejaculações precoces mediáticas como vem sendo hábito lá pelos lados do Bloco de Esquerda.
1 comentário:
Bravo pela lucidez.
Acrescento que Nobre tem a vantagem de conhecer e combater a pobreza e a dor presencialmente. Não é mais um teórico da matéria.
Não tem o discurso do chavão político, o que magnetiza o eleitorado saturado com ardis estratégicos a tresandar a mentira e rasteira.
Os desprotegidos podem mais facilmente rever-se num homem que arregaça as mangas, enche os bolsos de medicamentos e vai tratar e doentes e feridos, do que num qualquer papagaio que nada mais vêm fazer que participar em almoços de intriga.
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