6.3.09

Um militar também é gente.

O texto que se segue representa uma resposta a um post colocado pelo Pedro Sales no blogue "Arrastão", sobre uma reportagem do "Expresso" que relata a existência de maus tratos sobre os cadetes do Colégio Militar.
Para ser mais concreto, a intervenção que inseri e que aqui reproduzo teve menos a ver com a "entrada" proposta pelo Pedro Sales e mais com as respostas dos ódios de estimação fascistóides que se manifestam naquele blogue de gente de esquerda.


Há uns anos a imprensa noticiava que na Amadora um grupo de populares se revoltara contra a forma como vira serem tratados recrutas dos Comandos que faziam uma marcha forçada - ou algo do género, não me recordo dos pormenores. Lembro-me de que a unidade militar da tropa de elite aquartelada naquela cidade se sentiu incomodada e afirmou que as atitudes que os transeuntes haviam presenciado eram uma excepção e não a norma.
Recordo-me também de pensar na altura que as pessoas apenas se indignaram com a ponta desajeitadamente óbvia do icebergue, se vissem o que se passava no Campo Militar de Santa Margarida então é que iriam aos arames.

A recruta não se faz só de exercício físico intenso, de teoria e do conhecimento das armas, há um intenso treino para que os recrutas estejam treinados para agir sob forte pressão psicológica. É assim mesmo a aprendizagem militar, mexe-se com armas, “procura-se o inimigo”, treina-se para matar. E no meio do treino militar há situações em que os jovens cadetes ou recrutas estão sujeitos a situações que nunca pretenderiam enfrentar na vida, que desafiam tudo o que se entende por comodidade.
O espírito e o orgulho de pertencer a um corpo que o militar manifesta é a forma de ostentar perante os outros a vitória de ter conseguido ultrapassar a barreira da recruta, já que no início ele “não vale nada”, é um “infra”. Depois de ter direito ao crachá e à boina ele passa a ter valor, não tem nada a ver com o resto dos mortais, os seus irmãos são os de armas, esses é que lhe protegem as costas quando têm problemas. Por aqui se deduz da dificuldade em fazer-se qualquer tipo de investigação que tenha a ver com militares.
Não se trai os camaradas perante os outros, a humilhação, as sevícias o que for, fazem parte da construção de ser diferente dos outros, do “espírito de corpo”.
Não estou a dizer que isto é mau ou bom. É assim.

No meio destas razões a compreensão para a resistência em relação à integração de mulheres no meio militar e, no fim da escala, dos homossexuais - não sei se o RDM (Regulamento de Disciplina Militar) ainda tem aquele famoso artigo que expurgava os “homos”. “A tropa é para homens”. Como se história não estivesse cheia de episódios onde mulheres e homossexuais tenham demonstrado capacidades de serem mais sanguinários que os homens de barba rija.

Quanto ao “post”. Uma coisa é a dureza do treino psicológico e físico, outra coisa bem diferente é a redução das pessoas à condição mais ínfima. Os militares são pessoas, não são? Ai daqueles que aqui peroraram sobre a justeza das praxes se numa situação de guerra forem apanhados por soldados inimigos que não são pessoas mas autómatos que não medem a consequência do que fazem. A história bem recente da Europa mostra bem o poder dessa mistura de machismo, de recalcamento por humilhações passadas, de desejo de revanche social misturado com preconceitos étnicos.
A praxe não tem nada a ver com a formação de militares psicológica, técnica e fisicamente preparados. Reproduz a hierarquia assente na humilhação e na distinção social. “Eu faço-te isto a ti porque mo fizeram a mim”, é uma iniciação que pode parecer “inocente” mas que não reproduz mais que uma certa forma de ver o poder, não na base do Respeito mas do Medo.
Pretende-se preparar homens (aqui no sentido abrangente do termo) para morrerem não pelo amor à “pátria” mas pelo medo que a “pátria” lhes fará se não se dispuserem a saltar da trincheira. “É a ordem natural das coisas”… Uma ordem que sim e sem complexos: é fascizante.
E sim, estive em Santa Margarida.

Sem comentários: