5.3.09

Os trabalhadores que paguem a crise porque já estão habituados.

O título do "post" é comprido, mais longa é a história que o justifica.
Já lá vai o tempo do conhecido slogan da UDP "os ricos que paguem a crise", parecido com outro do PSR que ia pelo mesmo caminho " os capitalistas que paguem a crise". Duas palavras de ordem, um desejo comum. Debalde.
Não me lembro quem inaugurou a ideia de fazer os privilegiados pagarem a crise, também não interessa. O que importa é que a palavra de ordem ficou nos ouvidos, chegou a titular teatro revisteiro e até faz parte do lugar-comum dos cínicos que na TV comentam a desgraça alheia sentados sobre rendimentos que permitem passar pelas dificuldades dos outros com uma perna às costas e afirmarem para o lado esquerdo "tadinhos não sabem o que dizem".
"A Crise". No tempo da invenção da palavra de ordem justificou, "devido à rigidez da legislação laboral", a invenção dos contratos a prazo. Era Mário Soares o primeiro-ministro. O ancião do PS até podia ter boas intenções, daquelas que o Diabo ouve todos os dias, mas o que o então o contestado "bochechas" fez foi abrir a Caixa de Pandora: o mercado de trabalho nunca mais foi o mesmo, com prejuízo para os trabalhadores. Cortou-se a fita inaugural da precariedade. Ao contrário da promessa prevista pela revisão da legislação laboral então ocorrida, não aumentou o emprego nem a segurança dos postos de trabalho - "segurança", aquela redezinha que garante o apetite do banco.
A Crise até chegou a parecer que passou, já que a sua silhueta foi desfocada pelos milhões que vieram da CEE. Debaixo do tapete do cavaquismo os germes reproduziam-se: a precariedade do emprego aumentava debaixo da bandeira dos recibos verdes; os jornais noticiavam que os jovens alentejanos iam para a Europa porque as terras da Reforma Agrária viraram coutadas de caça, e ninguém ligava, nem aos jovens nem às terras; a malta da construção civil também rumava para fora à procura de salários mais altos que os acordados nos "contratos" entre os patos-bravos e os imigrantes que eram feitos entrar pela porta do cavalo para acabarem a Expo 98, a Ponte Vasco da Gama, as autoestradas e outras importantes "realizações portuguesas"...
Fazem muito jeito os imigrantes. Nos tempos de glória do "é fartar vilanagem" sobre as tetas da Europa deram muito dinheiro a ganhar aos "empreendedores" que compraram os planos directores municipais. E agora também, para serem culpados de tudo o que amedronta o país.
Estava a falar de Crise.
Ultrapassemos o queijo limiano e a fuga de Durão Barroso para a Europa. Parêntesis: que melhor exemplo para explicar às criancinhas que os países mais importantes do velho continente não querem uma Comunidade Europeia? Ai "Querem"? Então porque escolheram o mordomo de Bush e Blair para ficar à frente do projecto?
Insatisfeitos com a Crise, fartos da parelha Paulo Portas/Santana Lopes, os portugueses votaram "útil" e "pimba!" puseram o PS em maioria absoluta. Que iam "melhorar o Código do Trabalho do Bagão Félix", diziam eles. O resultado está à vista: um Código do Trabalho tão mau que até o Bagão parece de Esquerda e que parece ter sido encomendado pelas empresas de trabalho temporário... De facto, só estas "empresas", os negreiros do século XXI, e a UGT gostam do código... para ser justo, a UGT fez algumas "críticas", como aliás é seu timbre.
Onde é que ia? Ah, a Crise.
A Crise aí está outra vez, desta feita veio numa onda ainda maior e está a desfazer as casinhas que foram feitas à beira-mar do oceano da especulação.
A Crise...
Ontem, no "Público", lia-se que Silva Lopes, antigo governador do Banco de Portugal, fez aquele ar grave sem o qual não se pode ser administrador do Banco de Portugal para falar da situação grave que o país atravessa e recomendou o agravamento das condições salariais dos trabalhadores, isso mesmo: "o congelamento dos salários 'normais' e a redução dos salários mais elevados, duas medidas que considera fundamentais para enfrentar a actual crise". Claro que não se lembrou dos "Ricos" do velho slogan da UDP tampouco do preciosismo classista dos "Capitalistas" do PSR. A conversa dirigia-se aos assalariados, sobretudo à Classe Trabalhadora.
Os comentadores de economia, que defendem os sacrifícios apenas para a parte mais frágil e menos responsável pelo estado das coisas, fazem lembrar os agressores de mulheres que depois de as encherem de porrada ainda as tentam convencer que a culpa é delas - as mais ignorantes até acreditam. No caso, procuram convencer-nos, aos trabalhadores, de que a culpa da Crise é nossa. E há muitos, dos que não são despedidos, que até acreditam na patranha. É que esta coisa de "reduzir salários elevados" só é de levar a sério quando um governador do banco de todos nós anunciar que vai reduzir o seu para dar o exemplo.

Há uns anos, no meio da hecatombe que arrasou com a industria pesada setubalense, um modesto vendedor de fechos éclair apregoava a plenos pulmões o seu produto num mercado de bolsos vazios: "Não há falta de dinheiro, ele anda é mal distribuído!"
Do meio da praceta de um bairro social e anunciada por um semi-analfabeto a evidência que tem escapado aos olhos vesgos dos governadores do Banco de Portugal.

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