18.4.07

Campanha desajeitada.

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Este cartaz, e outros, têm vindo a criar celeuma na blogosfera.
Pode não ter sido essa a intenção, convenhamos, mas a verdade é que para os mentores da campanha publicitária parece que os cidadãos que fazem os trabalhos mais humildes são cidadãos de segunda.
A Judite de Sousa teria espaço para estar nos noticiários se não houvesse alguma Judite que não concluiu os estudos que lhe tomasse conta dos filhos ou filhas, deixando os próprios sozinhos em casa ou com a avó porque não tem dinheiro para pagar infantário?
A Judite conseguiria sair de casa se outro ou outra Judite, que ficou pelos caminhos da escolaridade, não lhe recolhesse o lixo da rua?

Não é a necessidade de estudar que está em causa. O Estado tentar promover o gosto pelo estudo, pela descoberta, é positivo. Não fosse a contradição:
Fazer estas campanhas mas apostar no ensino privado (o tal de que temos cada vez mais anedóticos exemplos) e desinvestir no ensino público;
Fazer os estudantes pagar propinas cada vez mais caras, criando de facto uma nova selecção classista de acesso ao ensino superior - não me venham com bolsas, qualquer pai que tenha de pagar a deslocação de um filho para estudar sabe do que falo, e muitos beneficiários são os do costume, os que fogem aos impostos;
Não criar novos cursos que fazem falta (medicina, por exemplo) e obrigar os nossos jovens com médias altas a ir para o estrangeiro (os que podem), e deixar pulular por aí cursos de pacotilha nas privadas que só servem para enganar os jovens que não têm cunha para utilizar o canudo pago a sangue, suor e lágrimas dos pais (comunicação social, gestão, direito...);
Permitir que as escolas da periferia, ao contrário do que a "discriminação positiva" suporia, sejam as mais abandonadas e com menos condições - criando desde logo as condições para que a realidade não se altere, isto é, que se mantenha uma reserva de mão-de-obra desclassificada para ser vendida ao preço da chuva.

Ainda: desde quando é que ser doutor ou engenheiro é medida de sucesso? Por que não o fazer aquilo de que se gosta? Carpinteiros, pedreiros, o que for, são uns "loosers" porque não são licenciados? Não o serão mais as miúdas da caixa do supermercado que tiraram uma licenciatura em gestão que não serve para nada?

Para ser radical: por que razão o tipo que apanha o lixo (que faz um trabalho que ninguém gosta de fazer) tem de ser mais mal pago que a Judite (que faz aquilo que carradas de gente gostaria de fazer)? Eis mais uma razão em como a "Lei da Oferta e da Procura" não deve ser levada mais a sério do que o necessário ou, pelo menos, não devemos deixar ser a única que nos rege.

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