Da mesma forma que os maços de tabaco trazem aqueles anúncios que advertem os consumidores do dito cujo para os malefícios do fumo fumado, estou em crer que à porta das igrejas devia ser obrigatória a colocação de um cartaz bem visível alertando para o perigo de atraso mental auto-infligido.
Diatribe de ateu? Sim, resumidamente isto quer dizer que acho que os deuses só existem na cabeça de quem acredita. Como sou ateu acho que a liberdade de pensar e escrever aquilo que se pensa é sagrada, mesmo que ela seja usada contra a minha descrença.
A liberdade religiosa é uma das componentes dessa liberdade.
Tenho amigos católicos, já fui companheiro de carteira de Testemunhas de Jeová com quem me dei muito bem. Não meço o valor das pessoas pelo que acreditam, desde que o que acreditam não seja a minha submissão à sua crença. È isso, sobretudo, que está em jogo nos próximos dias.
Já fui católico, mais por inerência maternal do que por uma qualquer via de busca de integração espiritual. Não me dou com promessas de paraísos. Talvez seja por isso que nunca achei muita piada às drogas e não gosto de políticos que desmentem todos os dias o paraíso que me prometem para amanhã.
Da religião, deixei-me disso quando a idade me permitiu desobedecer à missa dominical e perceber a falsidade daqueles que abençoavam o envio de católicos para o outro lado do mundo para matarem e serem mortos numa guerra em terras de cristãos de outra cor.
Os mesmos que hoje colocam o dedo em riste à frente da cara das mulheres que abortaram não tiveram problemas de consciência em mandar os pais delas para a guerra! São aqueles que quando era preciso dizer “Não matarás!” se calaram a troco de uma Concordata com um Estado fascista que lhes devolveu as riquezas medievais que a instauração da República havia tornado para a nação.
O Estado salazarista agradeceu-lhes bem, tudo o que de pior a religião defendia ficou consagrado, até ao ponto do Direito ao Divórcio ter sido apenas conseguido há trinta anos com o 25 de Abril de 1974.
A possibilidade de haver crianças com o infame “Filho de Pai Incógnito” inscrito na cédula de nascimento e a proibição das mulheres poderem viajar sem consentimento do marido também só acabaram com o 25 de Abril. E qualquer destes avanços civilizacionais teve sempre como consequência que um pároco, um qualquer bispo, subisse ao púlpito para cuspir gafanhotos que prometiam o fim do mundo para amanhã.
Sim, é verdade. Os clérigos preocupam-se com o fim do mundo. Não, não tem nada a ver com guerras ou aquecimento global. Preocupam-se com o fim do mundo dominado por eles!
É por isso que qualquer justificação de ocasião serve à Igreja para a abençoar qualquer guerra, qualquer causa tirânica, a humilhação dos fracos, desde que o lado dos poderosos lhes mantenha o rebanho onde ela quer: debaixo da sua sotaina ideológica, para ser utilizada como tropa de choque contra tudo o que signifique progresso humano.
Os outros, os poderosos, pagam-lhes o serviço mantendo o manto sufocante da dominação da Igreja sobre tudo o que tem a ver com… pobrezinhos.
A dupla perfeita para manter o poder: uns fabricam a miséria para alimentar os seus privilégios de classe, os outros servem sopas enquanto mandam os esfaimados votar naqueles que os colocaram na posição de pedintes.
No meio de tanta “piedade”, o conteúdo humanista da mensagem de Jesus é sacrificado no altar dos interesses dos que mandam, liturgicamente iluminado pelo instrumento de tortura, a cruz, com que mataram o homem que afirmou que “é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus”.
Os católicos cujos olhos não deixam a consciência em paz, que consideram que a solidariedade não se esgota na caridadezinha e pugnam pela autonomia dos deserdados são apelidados de hereges, e condenados ao silêncio.
A promessa do paraíso post mortem vale um Inferno de uma vida inteira, dizem estes traficantes de almas aos que lá vão ao domingo buscar o consolo para a servidão semanal. No mínimo isto explica porque se mantém a campanha contra o preservativo nos países africanos onde milhares de católicos vão morrer de SIDA para pagar pelo pecado da ignorância - o único que não lhes deve ser imputado.
A Igreja convive mal com a sexualidade.
Durante a ditadura, foi discreta na oposição às casas de putas onde as filhas das famílias más serviam a libido dos filhos das famílias boas; tolerou os “país incógnitos” para camuflar as crianças paridas pelas beatas e pelas sopeiras amancebadas ao senhor da terra. Mantém a mesma condescendência para com aqueles que aproveitam a sotaina para tirarem partido sexual de crianças.
Oficialmente os padres não se podem casar, não podem ter relações de convivência íntima nem partilhar o leito de uma mulher. Mas pretendem ser eles a dizer como estas se devem comportar. “Por decisão da mulher, como por decisão da mulher?”
A Igreja convive mal com a sexualidade, principalmente a das mulheres.
Daí o problema do Aborto.
A primeira crítica ao aborto era comparada com aquela feita às mulheres que não se achavam particularmente interessadas em ter muitos filhos, ou que não demonstravam a fecundidade para que supostamente foram criadas as mulheres. A mulher era encarada como terra sempre pronta a ser lavrada.
Depois vieram os métodos contraceptivos modernos que deram alguma autonomia às mulheres, e outra vez a condenação pela sua utilização. A desculpa da natalidade, mas sobretudo o medo que a autodeterminação do corpo conduza à autonomia da alma das mulheres.
Métodos contraceptivos ainda assim falíveis e ainda por cima não universais – não tem sido a Igreja que tudo tem movido para que a Educação Sexual fique confinada ao “nada antes do casamento” da catequese?
Com a contracepção moderna o papel contraceptivo que o aborto tivera na antiguidade é reduzido a camadas sem a possibilidade material ou cultural de acederem às conquistas da ciência. Os movimentos feministas defendem a contracepção livre e gratuita. O aborto torna-se a última possibilidade de evitar uma gravidez não desejada, a possibilidade derradeira da mulher mandar na sua vida.
A Igreja considera-o homicídio. Alguns sectores querem sujeitar mesmo as mulheres ao supremo da humilhação de parirem o fruto de uma violação. A vida das mulheres não lhes interessa para nada.
Tudo serve. Já não chega mostrarem fotos de crianças de sete meses por fetos de sete semanas, de distribuírem “fetos” de plástico - bonecos que eu colocaria nas manjedouras dos presépios da minha infância. Agora pretendem que a vida na sua forma humana existe desde que a cauda do espermatozóide consegue fazer a força suficiente para empurrar a cabeça através do óvulo, ou mesmo antes.
Enternecedora a forma como se movem “pela vida”: quando é de problemas de seres humanos concretos de que se fala, conseguem conviver com as guerras onde inocentes e culpados morrem estupidamente, acatam a Pena de Morte sem grandes resistências, mas quando o tema é fetos aí estão eles. O problema da Igreja não são os fetos mas as mulheres poderem em alguma ocasião mandarem em si próprias.
Preferem-nas mortas a desobedientes!
Porque a Mulher é o último território do seu sonho de domínio medieval.
Azar o deles: Elas movem-se.
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