Como muitos setubalenses, desloquei-me na passada sexta-feira ao Auditório José Afonso para ver e ouvir a Orquestra Metropolitana de Lisboa. A coisa prometia, um fim de noite com uma das melhores orquestras nacionais, acrescida da possibilidade de rever o Maestro Victorino de Almeida, não é coisa que aconteça todos os dias, em Setúbal. Antes de continuar, deixai que diga que a posição desta última vírgula não é inocente.
Continuemos pois.
Ainda por cima, a Câmara Municipal teve a preocupação de afastar o ruído automóvel da zona.
Continuemos pois.
Ainda por cima, a Câmara Municipal teve a preocupação de afastar o ruído automóvel da zona.
Aqui, uma pausa para tirar o chapéu e fazer uma vénia.
Para se perceber o ênfase, há que explicar a quem não é de Setúbal que o dito auditório está a poucos metros de um dos troços mais movimentados e ruidosos da Avenida Luísa Todi.
Quanto aos que aqui fazem vida, todos confirmarão que a preocupação com o ruído - com qualquer tipo de ruído (som de feiras, festas, bares, animais) conforme o descrito no "Regulamento Geral do Ruído" - não tem sido um dos fortes de quem quer que tenha passado o traseiro pela edilidade cá do burgo. Assim, lembrando-me disto, gabo a atitude camarária: perante uma possibilidade Cultural extraordinária, tomou-se uma medida excepcional. Muito bem.E pôde-se passear a pé naquele pedaço da avenida sem ser para ver o "Carnaval de Verão".
Lá estou eu, agora tenho de satisfazer novamente a curiosidade dos de fora:
O "Carnaval de Verão" foi algo que surgiu em Setúbal no ano passado, consiste em fazer desfilar as meninas das escolas de samba do entrudo, desta feita sem os mamilos hirtos pelo frio. É uma ideia peregrina? Sim. Lesa calendário festivo? Que interessa? Bem vistas as coisas, um acto humanitário: fazer desfilar moças em biquíni tiritando com o frio de rachar de Fevereiro só pode ser invenção de quem não gosta delas.
A câmara afirmou que o carnaval setubalense a desoras foi um êxito, o que comprova a aposta camarária em eventos que valorizem a multiculturalidade na génese setubalense... trocando por miúdos: a malta gosta de ritmos tropicais. As tradições não surgem do nada, assim como as Marchas Populares e o "traje académico" politécnico, fabricam-se.
A câmara afirmou que o carnaval setubalense a desoras foi um êxito, o que comprova a aposta camarária em eventos que valorizem a multiculturalidade na génese setubalense... trocando por miúdos: a malta gosta de ritmos tropicais. As tradições não surgem do nada, assim como as Marchas Populares e o "traje académico" politécnico, fabricam-se.
Regressemos à vaca fria, ao Auditório.
Uma advertência se impõe:
Se for um forasteiro e tiver-se esquecido do GPS não procure pelo "Auditório José Afonso", pergunte pelo "Largo José Afonso". É que se perguntar pelo "auditório" será capaz de obter um número de respostas equivalente à dimensão da imaginação do seu interlocutor. Se, ao invés, procurar pelo "túnel de vento", garanto-lhe, dará com o local com mais precisão que um míssil americano.
Se for um forasteiro e tiver-se esquecido do GPS não procure pelo "Auditório José Afonso", pergunte pelo "Largo José Afonso". É que se perguntar pelo "auditório" será capaz de obter um número de respostas equivalente à dimensão da imaginação do seu interlocutor. Se, ao invés, procurar pelo "túnel de vento", garanto-lhe, dará com o local com mais precisão que um míssil americano.
Sim, não há que enganar, é aquela coisa proeminente no meio da Avenida Luísa Todi que faz lembrar o pórtico do estaleiro da Lisnave na Zona da Mitrena, ali para os lados em que o rio se começa a armar em mar.
Lá estou eu, agora tenho que descodificar:
Se pretende dirigir-se ao estaleiro da "Lisnave" em Setúbal, pergunte pela "Setenave". É pelo antigo nome da empresa que os setubalenses reconhecem os estaleiros navais da Mitrena. Já que aqui estamos, só fazem reparação porque o acordo de adesão à
CEE proibiu a construção naval pesada em Portugal: Foram privatizados e entregues (podia ter escrito "vendidos" mas seria manifestamente exagerado) ao grupo Mello que lhes deu o nome da instalação, já encerrada, que ficava na borda de Almada lavada pelo Tejo - ainda por lá está o pórtico a lembrar a História.
A diferença? Menos 4 mil e tal operários, da melhor mão-de-obra da indústria naval do mundo, e a sua substituição por empresas de "trabalho temporário" e o recurso a imigrantes cujas condições de trabalho se descreveriam melhor na "Divina Comédia" de Dante que numa qualquer convenção colectiva de trabalho. E que ninguém se atreva a retorquir-me com tretas economicistas sobre o fim da indústria metalúrgica pesada que eu pergunto se o trânsito por mar se faz sem ser através de navios!
Não me esqueci, o "Túnel de Vento".
Pois bem:
A tal construção cujo cognome aqui se faz referência é uma edificação de um dos mais renomados arquitectos portugueses, Manuel Salgado. A decisão da sua construção terá sido incluída no lote de outras que resultaram no POLIS de Setúbal que vieram a descaracterizar uma das avenidas mais bem desenhadas do país. "Um desperdício de dinheiro, bastava que ordenassem o trânsito e a limpassem" - reproduzo aqui as palavras de vários arquitectos aquando do discussão pública do projecto. O que é um facto é que o desperd... a decisão foi tomada quando os destinos da Cidade estavam nas mãos de um de tal Mata Cáceres, do Partido Socialista e mereceu o apoio dos grupos políticos mais representados na Câmara da altura, PS e PSD. E "reservas" do PCP, que viria a consumar na sua governação a maior parte das obras, ajustes, reajustes, e re-reajustes. Abreviando, o que é facto é que ao fim de tantos anos ninguém quer ser pai do POLIS. Não há nenhum partido do "arco governativo" da cidade que diga: "Fui eu!".
Quem paga a "pensão de alimentos"? Os do costume.
"O túnel, pá, o túnel!"
Rapidamente se verificou que as características e orientação da construção, aliada ao perfil descampado do local, a que se soma uma rua perpendicular à avenida que canaliza para ali as correntes de ar, eleva à potência o desconforto provocado pelo vento a quem quer que se predisponha ir ver qualquer tipo de... e-Vento. Antes é aconselhável consultar o boletim meteorológico, ou pôr velinhas quiçá, para se ter a certeza de que não há vento, de todo, para que não se corra o risco de ter um espectáculo estragado por factores estranhos aos artistas. Quantos aos artistas, e depois há aquele palco que os coloca de lado para os espectadores na maioria dos espectáculos - ainda não tinha falado deste "pormaior", pois não?
Adiante, de regresso ao Concerto:
Na passada sexta-feira era para ter lugar um espectáculo de Música Clássica com a Orquestra Metropolitana de Lisboa no Auditório José Afonso, em Setúbal. Devido à forte corrente de ar que se fez sentir, que fazia voar as pautas dos músicos, a orquestra teve de fazer uma retirada estratégica.
O Maestro Victorino de Almeida, num gesto nobre, desafiou o vento e sentou-se ao piano, de cabelo esvoaçante, claro e como é apanágio de todos os maestros, mas aqui bem mais que o normal. E falou, deliciando quem o ouviu das cadeiras de plástico colocadas à sua frente... no "palco". Na perpendicular ao acontecimento, as escadas/assentos de pedra estavam plenas de gente. Não havia bilhetes, pagava-se com vento na cara.
Como quase todos, fiquei sentado em frente à cauda do piano cuja posição havia sido declaradamente orientada para satisfazer o público das cadeiras improvisadas colocadas no espaço cénico, destinadas aos lugares reservados e aos madrugadores. Um estranho espectáculo: a maioria do público, sentado nos locais previstos pela arquitectura, via a acção dos flancos. Perpendicular às colunas de som, não se percebi patavina do que o maestro disse. E depois, o vento. Estava gorado o momento, fui à procura de vinho fino e saiu-me zurrapa. Cuspia-a. Fodido, levantei-me e fui embora - podia ter usado algo legalizado pelo dicionário, mas não teria o peso que então coloquei na balança da decisão.
Virei-me para a cúmplice de todas as ocasiões e propus-lhe "vamos mas até ao Parque de Urbano de Albarquel". Aprovada a proposta por unanimidade, demos no caminho com o falado desvio de trânsito na avenida. Um pequeno engarrafamento na zonas dos bares e um ameaço de "buzinão", a forma punheteira da revolta nacional se manifestar.
Prosseguindo em direcção ao plano alternativo, ainda longe do destino já se fazia ouvir a "pimbalhada" aos berros no Parque de Albarquel. O exercício das pernas reclamaria os neurónios, "parece o destino a chamar, arrepiemos o passo".
Ficámo-nos pela novel e recém-inaugurada "Praia da Saúde". Aí, vi-o pela primeira vez ao catrapázio camarário que adverte para não se ir a banhos naquela "praia" devido a "fundões" e "objectos cortantes" herdados da reparação naval ali ocorrida. Um aviso seriamente desrespeitado pelas centenas de pessoas vencidas pelo calor e pelo excesso de ar na carteira. Ali e ao lado, entre as embarcações fundeadas frente ao Parque Urbano de Albarquel, onde está um aviso análogo. "Praias" onde não se pode tomar banho...
Epílogo.
Um auditório que repele artistas e espectadores; um parque urbano onde, sem o aviso prévio que permite escolher a companhia, se submete a mansidão do vai-vem das ondas ao ruído de feira propagado por um bar - como se fossem donos do espaço! "Vamos mas é para casa ver um filme", proposta aprovada com aclamação.
Do outro lado do Rio Sado, a uma travessia ao preço de duas no ferryboat "Coca-Cola", os "mamarrachos" e o casino de Tróia reluziam coloridos. Pareciam gozar.
Como se o filho-da-mãe do Belmiro se estivesse a rir de nós.
(este texto foi editado em 24-07-2012)
(este texto foi editado em 24-07-2012)
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