21.12.12

Orçamento para 2013 da Câmara Municipal de Setúbal recusado por toda a oposição

O Orçamento apresentado pelo executivo da CDU para a Câmara Municipal de Setúbal, referente ao ano de 2013, foi reprovado por todos os partidos da oposição. Reproduz-se aqui uma intervenção de um dos deputados municipais do Bloco de Esquerda

Algumas considerações sobre o Orçamento para 2013 
 
É preciso um Orçamento tão avultado para aquilo que se pretende fazer?
Depois de um Orçamento que foi um dos maiores alguma vez vistos neste município, temos perante nós um Orçamento que, apesar de não prever obras no calibre do anterior, consegue ser apenas 7 milhões de Euros inferior àquele.
Lembra-se: o Orçamento anterior incluiu a reconstrução do Fórum Municipal Luísa Todi, por vicissitudes várias, feita quase a partir do zero, e ainda a recuperação do edifício do antigo Círculo Cultural de Setúbal, há muito ao abandono. O interesse em dotar a Cidade de equipamentos culturais que a dignifiquem, bem como as possibilidades que estes equipamentos abrem aos nossos artistas, ditaram que, apesar das críticas que fizemos aos moldes em que foram geridas as obras, não tivéssemos inviabilizado o seu financiamento.
Algumas questões metodológicas
No que tem a ver com a Receita, o Orçamento continua a partir de pressupostos errados. Para além da receita fictícia com a venda de habitação ou património imobiliário, enferma ainda da perspectiva de proventos irrealistas em matéria de rendas pela habitação municipal.
Sendo que a maioria dos arrendatários da Câmara Municipal de Setúbal pertence aos extractos sociais mais débeis, cada vez mais esmagados pela inclemência da austeridade, cabe perguntar:
O Executivo acredita mesmo que vai realizar a verba que se propõe receber em rendas? Ao invés, não seria de antecipar no Orçamento uma rubrica que precavesse o apoio de urgência a famílias declarada e comprovadamente perto de ficarem sem tecto?
Município Participado”?
Apesar de estar até no próprio logótipo da Câmara Municipal de Setúbal, verificamos que a ideia de “Município Participado” já teve dias. Se chegou a haver alguma tentativa, mesmo que ténue, de aplicar o princípio do “Orçamento Participado” neste concelho, é óbvio que hoje as duas palavras não passam de um slogan vazio.
Para prejuízo da vida democrática da Cidade, não foram convocados os cidadãos, nem as organizações e associações que intervêm na cidade nas frentes Cultural, da Solidariedade Social e do Desporto.
Orçamento de Base Zero, uma oportunidade perdida.
Mais uma vez, perdeu-se a oportunidade de se começar a aplicar, mesmo que de forma cautelosa e não generalizada, mas decisiva, o princípio do Orçamento de Base Zero. Um princípio que, lembro, foi recomendado por esta Assembleia Municipal ao executivo, já faz dois anos. A situação económica da Câmara sugeriria que se dessem passos nesse sentido.
Por exemplo, pegando num dos itens que absorve parte do Orçamento, a Cultura.
O desígnio justo de “1% para a Cultura”, aprovado aqui em Moção recente, podia ser aplicado através do debate aberto com os agentes interessados numa escolha democrática e não burocrática das prioridades, cumprindo o compromisso do Orçamento Participativo. Isto permitiria, simultaneamente, fazer da rubrica Cultura uma espécie de programa-piloto da aplicação do princípio do Orçamento de Base Zero.
Ganhar-se-ia em transparência e rigor o que acaba por não ser explicado nas rubricas “outras”, autênticos cheques em branco políticos.
Para que se compreenda o nosso incómodo: em que rubrica descortinável do orçamento anterior coube o compromisso de 20 mil euros anuais com o proprietário da Praça de Touros, esta autêntica parceria público-privada?
Outra vantagem do Orçamento Participado seria o de conseguir perceber-se quais os critérios de apoio às diversas associações culturais e grupos de teatro. Qual é? Pela programação, pelas propostas de iniciativas que apresentam? Pelo facto de existirem?
A este propósito, não se vê inscrita qualquer verba para o “Festival de Teatro de Setúbal”, cuja importância já é digna de uma rubrica fora da mendicidade. E verifica-se a inscrição do “Arrábida World Music” sem dotação, apesar de ser um evento cuja realização não será barata.
Há um esforço grande - demasiado grande para a realidade financeira do município - no que toca à Comunicação
Mais de um milhão de euros. Salvaguardando as obrigações legais, achamos que vai sendo tempo de se fazer o balanço do custo/benefício das publicações e folhetos, com o fito de racionalizar e aproveitar melhor os recursos.
Aqui, abre-se um parêntesis:
Exige-se que se reduza o número de publicações de “charme” dando predomínio a edições digitais, por um lado;
Que o Boletim Municipal seja menos luxuoso e com conteúdos específicos mais dirigidos à formação cidadã dos munícipes, com conteúdos dedicados a melhorar o comportamento ambiental e as relações de vizinhança, por exemplo, e com mais informação sobre direitos e deveres dos cidadãos em diversas matérias, um “quem é quem” dos trabalhadores municipais para dar mais relevo ao seu papel na melhoria das condições de vida do Concelho;
Se entendemos legítimo que o Executivo publicite as obras e as iniciativas que protagoniza, tal não devia inibir o Boletim Municipal de fazer eco dos debates e do pensamento sobre os assuntos concelhios e de dar mais relevância ao trabalho da Assembleia Municipal. E também (por que não?) ter páginas abertas aos contributos dos partidos da oposição.
Prevê-se a admissão de novos trabalhadores. Sim, mas…
Estamos de acordo, para haver Serviços Públicos tem que haver quem os faça. Nestes tempos em que o ataque ao Estado Social se faz também através da denegrição e menosprezo dos trabalhadores do Estado, como faz o governo, ainda é mais importante ser-se criterioso na escolha das prioridades. Ainda por cima quando os municípios são pressionados para se desfazerem de 2% dos seus trabalhadores, para depois (vê-se!) se entregar muitas actividades a organizações clientelares que se sustentam no trabalho precário e sem direitos. Admitir para colmatar insuficiências técnicas, sim, mas não sem antes se verificar as competências que já existem e estão subvalorizadas ou subaproveitadas.
A necessidade de recrutar-se trabalhadores para áreas específicas, onde declaradamente a sua falta prejudica a qualidade do Serviço Público prestado às populações, deve ser explicada de forma clara. Depois do “fim de contrato” de dezenas de trabalhadores deste município, e dos concursos com pressupostos que deixaram de fora trabalhadores que já executavam funções, esta clareza ainda é mais exigível.
Uma verba importante para software informático, quase um milhão de Euros.
Não se percebe como não existe o desiderato municipal de fazer a transição da maioria das aplicações para o Software Livre, como, aliás, acontece em muitos municípios de países da Europa “rica”. Salvaguardando algum software imprescindível para satisfazer necessidades específicas que não possam ser colmatadas pelo Software Livre, não há justificação alguma para se continuar a pagar fortunas por licenças de produtos que podem ser substituídos por outros, gratuitos, de qualidade similar.
A transição para o Software Livre permitiria o estabelecimento de protocolos com o Ensino Técnico local, e até alavancar a possibilidade do nascimento de pequenas empresas dedicadas ao desenvolvimento e apoio técnico de software de código aberto. A falta de coragem em romper com o ciclo de consumidor passivo de programas está a custar muito dinheiro ao município, e milhões de euros a um país que ostensivamente ignora o que já se faz nas suas universidades.
Concluindo: Para além das considerações feitas, ao ler e reler este Orçamento fica-se com a sensação de que o propósito eleitoralista não foi alheio à sua construção. Afirmamos desde já que não pode merecer a nossa confiança.


Intervenção de
José Tavares da Silva (Bloco de Esquerda)
Assembleia Municipal de Setúbal, 17 de Dezembro de 2012

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