O Orçamento apresentado pelo executivo da CDU para a Câmara Municipal de Setúbal, referente ao ano de 2013, foi reprovado por todos os partidos da oposição. Reproduz-se aqui uma intervenção
de um dos deputados municipais do Bloco de Esquerda
Algumas
considerações sobre o Orçamento para 2013
É
preciso um Orçamento tão avultado para aquilo que se pretende
fazer?
Depois
de um Orçamento que foi um dos maiores alguma vez vistos neste
município, temos perante nós um Orçamento que, apesar de não
prever obras no calibre do anterior, consegue ser apenas 7 milhões
de Euros inferior àquele.
Lembra-se:
o Orçamento anterior incluiu a reconstrução do Fórum Municipal
Luísa Todi, por vicissitudes várias, feita quase a partir do zero,
e ainda a recuperação do edifício do antigo Círculo Cultural de
Setúbal, há muito ao abandono. O interesse em dotar a Cidade de
equipamentos culturais que a dignifiquem, bem como as possibilidades
que estes equipamentos abrem aos nossos artistas, ditaram que, apesar
das críticas que fizemos aos moldes em que foram geridas as obras,
não tivéssemos inviabilizado o seu financiamento.
Algumas
questões metodológicas
No
que tem a ver com a Receita, o Orçamento continua a partir de
pressupostos errados. Para além da receita fictícia com a venda de
habitação ou património imobiliário, enferma ainda da perspectiva
de proventos irrealistas em matéria de rendas pela habitação
municipal.
Sendo
que a maioria dos arrendatários da Câmara Municipal de Setúbal
pertence aos extractos sociais mais débeis, cada vez mais esmagados
pela inclemência da austeridade, cabe perguntar:
O
Executivo acredita mesmo que vai realizar a verba que se propõe
receber em rendas? Ao invés, não seria de antecipar no Orçamento
uma rubrica que precavesse o apoio de urgência a famílias declarada
e comprovadamente perto de ficarem sem tecto?
“Município
Participado”?
Apesar
de estar até no próprio logótipo da Câmara Municipal de Setúbal,
verificamos que a ideia de “Município
Participado” já teve dias.
Se chegou a haver alguma tentativa, mesmo que ténue, de aplicar o
princípio do “Orçamento
Participado” neste concelho,
é óbvio que hoje as duas palavras não passam de um slogan
vazio.
Para
prejuízo da vida democrática da Cidade, não foram convocados os
cidadãos, nem as organizações e associações que intervêm na
cidade nas frentes Cultural, da Solidariedade Social e do Desporto.
Orçamento
de Base Zero, uma oportunidade perdida.
Mais
uma vez, perdeu-se a oportunidade de se começar a aplicar, mesmo que
de forma cautelosa e não generalizada, mas decisiva, o princípio do
Orçamento de Base Zero.
Um princípio que, lembro, foi recomendado por esta Assembleia
Municipal ao executivo, já faz dois anos. A situação económica da
Câmara sugeriria que se dessem passos nesse sentido.
Por
exemplo, pegando num dos itens que absorve parte do Orçamento, a
Cultura.
O
desígnio justo de “1% para a
Cultura”, aprovado aqui em
Moção recente, podia ser aplicado através do debate aberto com os
agentes interessados numa escolha democrática e não burocrática
das prioridades, cumprindo o compromisso do Orçamento
Participativo. Isto permitiria,
simultaneamente, fazer da rubrica Cultura uma espécie de
programa-piloto da aplicação do princípio do Orçamento
de Base Zero.
Ganhar-se-ia
em transparência e rigor o que acaba por não ser explicado nas
rubricas “outras”, autênticos cheques em branco políticos.
Para
que se compreenda o nosso incómodo: em que rubrica descortinável do
orçamento anterior coube o compromisso de 20 mil euros anuais com o
proprietário da Praça de Touros, esta autêntica parceria
público-privada?
Outra
vantagem do Orçamento Participado seria o de conseguir perceber-se
quais os critérios de apoio às diversas associações culturais e
grupos de teatro. Qual é? Pela programação, pelas propostas de
iniciativas que apresentam? Pelo facto de existirem?
A
este propósito, não se vê inscrita qualquer verba para o “Festival
de Teatro de Setúbal”, cuja importância já é digna de uma
rubrica fora da mendicidade. E verifica-se a inscrição do “Arrábida
World Music” sem dotação, apesar de ser um evento cuja realização
não será barata.
Há
um esforço grande - demasiado grande para a realidade financeira do
município - no que toca à Comunicação
Mais
de um milhão de euros. Salvaguardando as obrigações legais,
achamos que vai sendo tempo de se fazer o balanço do custo/benefício
das publicações e folhetos, com o fito de racionalizar e aproveitar
melhor os recursos.
Aqui,
abre-se um parêntesis:
Exige-se
que se reduza o número de publicações de “charme” dando
predomínio a edições digitais, por um lado;
Que
o Boletim Municipal seja menos luxuoso e com conteúdos específicos
mais dirigidos à formação cidadã dos munícipes, com conteúdos
dedicados a melhorar o comportamento ambiental e as relações de
vizinhança, por exemplo, e com mais informação sobre direitos e
deveres dos cidadãos em diversas matérias, um “quem é quem”
dos trabalhadores municipais para dar mais relevo ao seu papel na
melhoria das condições de vida do Concelho;
Se
entendemos legítimo que o Executivo publicite as obras e as
iniciativas que protagoniza, tal não devia inibir o Boletim
Municipal de fazer eco dos debates e do pensamento sobre os assuntos
concelhios e de dar mais relevância ao trabalho da Assembleia
Municipal. E também (por que não?) ter páginas abertas aos
contributos dos partidos da oposição.
Prevê-se
a admissão de novos trabalhadores.
Sim, mas…
Estamos
de acordo, para haver Serviços Públicos tem que haver quem os faça.
Nestes tempos em que o ataque ao Estado Social se faz também através
da denegrição e menosprezo dos trabalhadores do Estado, como faz o
governo, ainda é mais importante ser-se criterioso na escolha das
prioridades. Ainda por cima quando os municípios são pressionados
para se desfazerem de 2% dos seus trabalhadores, para depois (vê-se!)
se entregar muitas actividades a organizações clientelares que se
sustentam no trabalho precário e sem direitos. Admitir para colmatar
insuficiências técnicas, sim, mas não sem antes se verificar as
competências que já existem e estão subvalorizadas ou
subaproveitadas.
A
necessidade de recrutar-se trabalhadores para áreas específicas,
onde declaradamente a sua falta prejudica a qualidade do Serviço
Público prestado às populações, deve ser explicada de forma
clara. Depois do “fim de contrato” de dezenas de trabalhadores
deste município, e dos concursos com pressupostos que deixaram de
fora trabalhadores que já executavam funções, esta clareza ainda é
mais exigível.
Uma
verba importante para software
informático, quase um milhão de Euros.
Não
se percebe como não existe o desiderato municipal de fazer a
transição da maioria das aplicações para o Software
Livre, como, aliás, acontece
em muitos municípios de países da Europa “rica”. Salvaguardando
algum software
imprescindível para satisfazer necessidades específicas que não
possam ser colmatadas pelo Software
Livre, não há justificação alguma para se continuar a pagar
fortunas por licenças de produtos que podem ser substituídos por
outros, gratuitos, de qualidade similar.
A
transição para o Software Livre permitiria o estabelecimento de
protocolos com o Ensino Técnico local, e até alavancar a
possibilidade do nascimento de pequenas empresas dedicadas ao
desenvolvimento e apoio técnico de software
de código aberto. A falta de coragem em romper com o ciclo de
consumidor passivo de programas está a custar muito dinheiro ao
município, e milhões de euros a um país que ostensivamente ignora
o que já se faz nas suas universidades.
Concluindo:
Para além das considerações feitas, ao ler e reler este Orçamento
fica-se com a sensação de que o propósito eleitoralista não foi
alheio à sua construção. Afirmamos desde já que não pode merecer
a nossa confiança.
Intervenção
de
José
Tavares da Silva (Bloco de Esquerda)
Assembleia
Municipal de Setúbal, 17 de Dezembro de 2012
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