4.11.09

A Deus o que é de Deus, a César o que é de César

Lê-se no Público de hoje: "Ontem, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, sediado em Estrasburgo, França, pronunciou-se unanimemente sobre uma queixa de uma italiana que pediu a retirada dos crucifixos das salas de aula de uma escola pública onde os seus filhos estudavam."

Trata-se de um assunto que já foi debatido em Portugal, país onde a Constituição continua a ficar à porta de várias instituições que continuam a pensar que Portugal tem uma "religião oficial".
"A Civilização Ocidental tem uma raiz judaico-cristã", ouve-se não raras vezes.
Não é uma "inverdade", mas acaba por se tornar uma "verdade mentirosa" no sentido em que esquece todas as outras raízes culturais, linguísticas e, calcule-se, religiosas que fizeram de nós o que somos.
Os reprodutores do lugar-comum esquecem que além da raiz judaico-cristã há outras raízes na nossa árvore, aquelas que cresceram em contradição no sentido do Conhecimento e da Ciência que a religião sempre travou.
É o mesmo que dizer que não foi só o "Papa" que nos influenciou, mas também a luta contra os seus ditames - lembremos a Reforma, o Iluminismo e as Ideias Liberais, e o Ideal Libertário de várias matizes que tem corrido nas veias de todos os que ao longo dos séculos se têm levantado contra a Injustiça Social...
Como resultado, dessa mistura contraditória e por vezes sanguinária, uma grande conquista civilizacional da Europa: a possibilidade de termos uma convicção religiosa sem sermos perseguidos por ela e, sobretudo, o direito de não sermos "praticantes" ou de não termos nenhuma religião - ainda teórica em muitos sítios, eu sei.

A "cultura da nação" não é una e não é estática, é cruzamento, influência, evolução, involução, o resultado de sementes que ficam de estados de alma conjunturais dos que por cá vive(ra)m.
No nosso caso, um país que foi colonizador não pode deixar de receber o "troco" de quinhentos anos de desvario pelo mundo, o "à volta cá te espero", a chegada à "metrópole" de muita gente que professa outras religiões e costumes que sobraram das que quisemos implantar por aí.
À "antiga portuguesa" convivemos sempre bem com toda a gente desde que "não saia do seu lugar" e que não nos lembre para os considerarmos, no mínimo como gente... quando a coisa se torna azeda, à falta de outro argumento, a "religião oficial" - assim a modos que a lembrar que beatamente muitos gostavam de ser como o Irão, mas piedosamente sem matar gente...

Seria melhor percebermos que a nossa liberdade não pode ser a opressão de outrem. E dar o exemplo. E depois exigir o vice-versa.

Vice-versa... não há aqui menosprezo pela religião muçulmana. Respeito os que nos países de "religião oficial” muçulmana pagam pelo sonho de ver o dia em que Deus não mande por interpostas pessoas no que a César diz respeito.
Em nome desse respeito, não tolero a "canga" que nos querem impor
alguns inimigos declarados da tolerância religiosa que se vai conseguindo manter no Ocidente.

O Estado Laico é a fronteira e a garantia de que a religião é convicção livre de cada um e não uma imposição do Estado ou de uma hierarquia religiosa.

Quando todas as religiões perceberem a utilidade da laicidade do Estado, e a preconizarem, o mundo será um local bem melhor.
Infelizmente, não acredito que as hierarquias religiosas alguma vez cheguem a essa conclusão. Ateu, acredito que não será a Inspiração Divina a impedi-los de lá chegarem.

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